O artigo "Turno único no Judiciário afronta Carta Magna e o cidadão", de autoria do diretor-tesoureiro do Conselho Federal da OAB, Miguel Cançado, foi publicado na edição desta quinta-feira (4) do jornal Diário da Manhã. Confira:
Representando o Conselho Federal da OAB em recente sessão do Conselho Nacional de Justiça, assisti a ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça, dizer, em alto e bom som, que "O Poder Judiciário brasileiro está sucateado, está um caos", concluindo ela por dizer que muito precisa ser feito para que esse estado de coisas seja modificado.
Com toda certeza, ninguém neste País continental pode fechar os olhos para a constante necessidade de ampliação e melhoria nas condições de funcionamento do Poder Judiciário, mormente para que ele consiga cumprir com a relevante missão republicana que a ele reserva a Constituição Federal.
Do mesmo modo, infelizmente ninguém que acesse os serviços jurisdicionais, seja para cuidar de interesses próprios, seja para o exercício de atividade ligada à entrega da prestação jurisdicional, sobretudo advogados, magistrados, integrantes do MP ou serventuários, pode, em sã consciência, divergir do desabafo desalentador da ministra-corregedora.
Em Goiás não é muito diferente, pois temos um quadro crônico de falta de quase uma dezena de magistrados para suprir varas e comarcas, de modo que, em algumas regiões do Estado, os advogados e cidadãos precisam esperar dias ou rodar quilômetros para simplesmente falar com um magistrado.
No entanto, a pretexto de reduzir custos, além de outros frágeis argumentos, vemos ser implantado novo horário de funcionamento do Poder Judiciário goiano, com a redução da jornada de trabalho a um turno único, prorrogado até as 19 horas. Essa mudança, a não ser que o tempo prove o contrário, se mostra absolutamente desarrazoada e contrária à real necessidade de ampliação das condições de atendimento às partes e advogados. Diria meu velho pai: "Economia à base da porcaria".
Nem estou levando em conta a possibilidade concreta de que o expediente só venha mesmo a ter início bem depois das 12 horas e encerramento muito antes das 19. É o receio de que entre em cena a tradicional e notória leniência do nosso serviço público e o chamado jeitinho brasileiro. E, por isso mesmo, já pode-se antever momentos de grande estresse.
O Brasil passa por uma já duradoura fase de forte aquecimento da atividade econômica, assim como experimenta uma dinâmica social complexa e em constante mutação, sendo sempre chamado a intervir nestes campos o Poder Judiciário, seja para a solução de conflitos, seja para a interpretação do amplo arcabouço legal tupiniquim. Basta ler cotidianamente os jornais para se chegar a tão simples conclusão.
Por tudo isso, melhor é que pensássemos em formas que possibilitassem a dilação de horários e condições de atendimento e cumprimento das tarefas que a entrega da justiça impõe, ao invés de trancar as portas em horas úteis, ainda que com a manutenção de protocolos de plantão.
Como cidadão e, principalmente, como advogado que há mais vinte anos percorre os ambientes forenses em todo nosso Estado para defender a advocacia e a sociedade, penso que o Poder Judiciário de Goiás acaba de dar um passo atrás, e, no caso, bem fariam os seus dirigentes se reconhecem o erro e retornassem aos dois turnos de funcionamento, conforme vigia até o final de julho último.