Estamos vivendo novos tempos de extraordinário protagonismo da Justiça e, em especial, do Poder Judiciário.
A crise política que o pais recentemente atravessou permitiu criar um autentico ineditismo histórico que projetou a Justiça brasileira, e o Poder Judiciário Federal em particular, a um novo patamar funcional, outorgando-lhes uma responsabilidade extremamente importante: prover a imprescindível estabilidade institucional ao Pais, em uma situação muito assemelhada a de um autêntico poder moderador, tal como exercido (outrora) pelo Exército Brasileiro.
Todavia, exatamente como ocorrera em diversos momentos da história nacional, tal peculiar encargo necessita estar (obrigatoriamente) associado a um atuar sereno e equilibrado, desprovido de paixões e vaidades, assim como daqueles antigos pecados que comprometeram, sobremaneira, a necessária lucidez inerente ã atuação isenta e imparcial (e rigorosamente dentro da lei e da ordem constitucional) dos protagonistas do passado.
“Quando comecei a advogar, em 1957, o Poder Judiciário e o Ministério Público exerciam com competência e discrição suas funções, não buscando as luzes da ribalta e da admiração popular, com o que sempre foram extremamente respeitados.” (IVESGANDRA DA SILVA MARTINS; A Advocacia e o Ministério Público, 0 Globo, 03/06/207, p. 17)
0 atual estágio da democracia brasileira não permite, – e muito menos recomenda -, que a Justiça brasileira, como bem adverte o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro DIAS TOFFOLI, venha a cometer “os mesmos erros dos militares em 1964”, através de um “exagerado ativismo” e de uma perigosa tendência de “criminalizar a política” (ou a classe política) como um todo, até porque a mesma representa, em última análise, o fundamento e o alicerce da própria democracia.
O que se pode (e se deve) fazer, ao reverso, é criminalizar, correta e individualmente, a conduta dos agentes públicos que se apropriam de suas respectivas posições para praticar delitos graves, independentemente de serem integrantes dos Poderes Legislativo, Executivo ou Judiciário, ou mesmo do Ministério Público. Por conseguinte, conforme registrado por DIAS TOFFOLI, deve a Justiça se limitar a “resolver a crise de maneira pontual”, evitando, de todas as formas, conduzi-la a um condenável “totalitarismo do Judiciário e do Sistema Judicial”, fenômeno que, na ótica do Ministro, dá-se através da eventual e criticável prática de se proferir “sentenças aditivas” (Judiciário Pode Cometer o Mesmo Erro de Militares em 1964, 0 Globo, 16set. 2016).
De igual forma, merece ser destacado que a autoridade moral do Judiciário (e do Sistema Judicial como um todo) repousa, como bem anota JOSEMURILO DE CARVALHO (Por Que Não se Calam?, 0 Globo, 20set. 2016, p. 17), na absoluta ausência “de espetáculos midiáticos por parte de delegados, promotores de justiça e juizes”, sendo por demais conclusivo que, não obstante “o Poder Judiciário tenha se afirmado e ganhado força e credibilidade inéditas em nossa história, tal predicamento, também chamado de judicialização da política, só se sustentará se os operadores da Justiça mantiverem a necessária postura profissional, resistindo à tentação dos holofotes e de inaceitáveis incursões na politica”, ou seja, “se eles se contiverem, em última análise, nas manifestações rigorosamente dentro dos autos”, como dever inerente a todos aqueles que nela militam, consoante preconizam, expressamente, dentre outros, os seguintes dispositivos legais em vigor:
– Art.36, III, da Lei Complementar n° 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), que afirma textualmente que é vedado ao magistrado “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento”;
– Art. 43, II, da Lei n° 8.625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público), que diz ser dever do Ministério Público “zelar pelo prestigio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções”.
Vale consignar que, a partir de uma exegese ampliativa, oart. 2°, § 6°, da Lei n° 12.830/13 (relativa á investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia), o qual preconiza que “o indiciamento […] dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias”, também é possível deduzir restrições legais a manifestações que não sejam unicamente produzidas por atos descritivos.
Destarte, resta conclusivo que o regramento normativo vigente impõe, de forma cogente, aos referidos operadores do Direito a indispensável e absoluta atuação técnico-jurídica, normas que, a toda evidência, abarcam o dever de se abster de qualquer espécie de “holofotofilia”, mantendo, assim, o sagrado silêncio em beneficio último do próprio prestigio da Justiça, restringido, pois, o principio constitucional da publicidade a manifestações necessariamente providas de conteúdo técnico-jurídico e exclusivamente nos autos de procedimento de inquérito ou de processo judicial.
Ademais, essa é a postura institucional dos países mais desenvolvidos do mundo, notadamente em relação aos membros da magistratura, como é o caso da Suprema Corte estadunidense.
“Temos muita sorte de os nossos membros da Suprema Corte (norte-americana e os juizes estadunidenses de modo geral) não falarem com a imprensa (…) É salutar que juizes só se manifestem por meio de suas decisões ou de seus livros.” (LINDAGREENHOUSE; New YorkTimes, Rev. Época, n° 1.081, 25/03/2019, p. 65)
Desembargador Reis Friede
Presidente do TRF da 2ª região