Audiências de custódia, uso de tecnologias como WhatsApp e teleconferências, reformulação de prazos processuais. Estas são algumas das questões que adensam o debate em torno das reformas no Código de Processo Penal (CPP) Brasileiro, tema do projeto de lei 8.045/2010, de relatoria do deputado federal João Campos (PRB), e que foram discutidas em audiência pública realizada na manhã de sexta-feira (24), na Corte Especial do Tribunal de Justiça de Goiás. Conduzida pelo parlamentar, a audiência lotou a plateia do Tribunal do Pleno e contou com a presença de autoridades e membros de instituições como o Ministério Público, Poder Judiciário, Defensoria Pública, Polícia Militar, Asmego e Abracrim.
Representando a OAB Goiás, o diretor-tesoureiro e presidente da Comissão dos Direitos Humanos (CDH), Roberto Serra, considera que a reforma trará inúmeras mudanças significativas, mas enfatiza que a postura da OAB Goiás diante do tema prima pelo resgate ao direito de ampla defesa no processo penal. “Nos últimos tempos, essa questão vem sendo relegada a segundo plano. O processo penal, além de um instrumento de aplicação do direito material, é sobretudo um instrumento de garantias. Esse viés processual vem sendo tratado sem a devida autoridade e a defesa propriamente dita precisa passar de coadjuvante a protagonista no processo penal, como sempre determinou a doutrina e é regra em países democráticos no mundo todo”, reflete.
Serra questiona a amplitude das reformas propostas para o Código de Processo Penal, uma vez que ainda não seriam suficientes para se chegar aos avanços necessários. “Não houve evolução como a que houve no Novo Código de Processo Civil. Modificaram muitos pontos relevantes para a nova legislação, mas no que tange a atuação defensiva, não houve tantos progressos. Há uma série de vícios do Código de 1941 que persistem: não há previsão de prazos sucessivos; de prazo em dobro, quando houver mais de um acusado respondendo processo; a questão da sustentação oral também é sufocada na medida em que há um limite no exercício deste importante direito; a questão das manifestações defensivas procederem as manifestações acusatórias… Enfim, os legisladores e integrantes da comissão do antiprojeto não se ativeram a estes detalhes”, contesta o diretor.
Para o conselheiro federal Leon Deniz, a reformulação do Código de Processo Penal se faz cada vez mais urgente em função dos índices alarmantes de criminalidade e destaca a prevenção ao crime como um dos aspectos mais oportunos dentro da reforma. “Precisamos de uma reformulação profunda. O contexto atual privilegia medidas de punição. Com a reforma, medidas preventivas e educativas ganham ênfase como alternativas para sanar esse problema da sociedade. Investir em educação, que é a base da sociedade, bem como a proteção à sua base essencial: família. Esse é um caminho para evitar logo cedo que crianças venham a se tornar menores infratores e caiam na marginalidade”, exemplifica Leon Deniz.
Nota técnica
A OAB Goiás, em parceria com a Associação Brasileira dos Advogados Criminalista em Goiás (Abracrim-GO), irá redigir uma nota técnica, sintetizando todos os pontos apresentados pelas duas instituições, para que seja levada em consideração pelo deputado João Campos e seus pares na redação do Novo Código de Processo Penal. Ao fazer uso da palavra, o presidente da Abracrim e membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB Goiás (TED/OAB-GO), Alex Neder, destacou pontos que considera fulcrais na perspectiva dos operadores do direito; por exemplo, a uniformização dos prazos. “O antigo recurso no sentido estrito dispõe de 5 dias para apresentar petição e apenas dois dias para apresentação das razões recursais, o que é um contrassenso. Nós, penalistas, utilizávamos o Artigo 3 do Código de Processo Penal que nos permitia a interpretação ostensiva e aplicação analógica do Código de Processo Civil, quando o CPP não tinha uma norma ou artigo para a gente utilizar. Proponho que tanto o agravo quanto a apelação sejam apresentados de uma só vez, num prazo total de 15 dias. Isso beneficia o advogado e não prejudica em nada o andamento dos processos”, explica.
Neder também defende a extirpação do Artigo 265 do CPP, que permite ao juiz discricionariamente aplicar uma multa de 10 a 100 salários mínimos a um advogado que faltar a uma audiência. “A interpretação de abandono de processo é uma arbitrariedade. O artigo não é só inconstitucional como imoral, uma vez que o advogado não tem um recurso ao qual recorrer, a não ser o próprio mandado de segurança. O advogado não é ouvido, e termina penalizado em valores que extrapolam os seus honorários”. O presidente da Abracrim também comentou a respeito de audiências de custódias, as quais considera “instrumentos excelentes, de primeiro mundo, mas que precisam ser aprimorados” e defendeu o uso de tecnologias como videoconferências. “Se o réu e o defensor concordarem que não há nenhum prejuízo, pode muito bem serem realizadas”, pontua. Além de Serra, Deniz e Neder, estavam presentes pela OAB o conselheiro seccional Fabrício Rocha Abrão e a diretora-adjunta da ESA-GO, Antonia Chaveiro.
Efetividade à Justiça
Antes de se postar à frente da mesa de trabalhos, o deputado e advogado João Campos resumiu os assuntos discutidos com maior ênfase ao longo da audiência e destacou aqueles que, na sua visão, podem garantir maior efetividade à Justiça. “Temos recursos intermináveis; não podemos permitir, por exemplo, que o código continue prevendo recursos de caráter meramente protelatório. A cooperação internacional também é uma ferramenta interessantíssima e carece de regulamentação, uma vez que a cada dia que passa os crimes vão ganhando dimensão transnacional”. O deputado aventa também o uso de tecnologias na base dos inquéritos, como o uso de videoconferências, e defendeu de forma entusiástica que os direitos da vítima ganhem maior visibilidade. “Precisamos ter um capítulo específico para os direitos da vítima, que foi praticamente esquecida ao longo da história do processo penal. Ela é um agente de direitos e um elemento importantíssimo na produção de provas e de informação”.
Ainda segundo João Campos, a proposta de reforma tem origem em duas circunstâncias muito distintas, mas igualmente preponderantes: “Há uma exigência fortíssima por parte da sociedade por uma legislação mais moderna. O Código de Processo Penal é atrasado; nasceu em pleno Estado Novo, na Era Getúlio Vargas, no ano de 1941, uma realidade completamente diferente. E umas das grandes reclamações da sociedade atualmente é a impunidade, que é fruto de inúmeros fatores, como a falta de estrutura das polícias e deficiência de efetivo no Ministério Público e no Poder Judiciário”, justifica. O deputado finaliza explicando que a expectativa é de que a matéria seja aprovada até o fim do ano. “Devemos votá-la na Câmara e, de lá, ela volta para o Senado, que irá apreciar as alterações que haveremos de proceder no projeto. Claro que, sendo aprovada nas duas casas, será necessário um período de adaptação para que finalmente entre em vigência”, afirma João Campos.
(Texto: Marília Noleto – Assessoria de Comunicação Integrada)