Presidente da Comissão de Direito Tributário da seccional goiana da OAB, o advogado Thiago Vinicius Vieira Miranda, falou sobre o cenário tributário do Brasil em entrevista concedida ao Portal da OAB-GO. Confira:
Empresários e cidadãos reclamam que a carga tributária do Brasil é excessiva, mas há quem argumente que ela é elevada porque o governo não aplica a arrecadação em serviços para a população. Qual é a opinião do senhor sobre o assunto?
A relação é a seguinte: a carga tributária aumenta na medida em que a máquina estatal precisa de recursos para se manter. O problema é que os governos, historicamente, mantêm as máquinas rodando e se esqueceram de prover os cidadãos, os contribuintes, de serviços públicos com qualidade. Desde 1994, ano da estabilização da moeda, a carga tributária dos brasileiros tem aumentado em nada menos que dez pontos percentuais do PIB! Quando somada ao deficit fiscal nominal, este manicômio tributário alcança cerca de 40% do PIB. Isso representou, em 2010, uma arrecadação total de tributos da ordem de R$ 1.290,97 trilhão (dado do IBPT), entretanto, sabemos que a saúde, a educação, o transporte, a previdência, enfim, todos os serviços públicos vão muito mal das pernas. Os governos, federal, estadual e municipal, são ineficientes e os seus governantes são maus gestores de toda esta verba retirada sem dó nem piedade do brasileiro.
O senhor concorda com a atual divisão da receita tributária do País, em que a maior parte da arrecadação fica com União, em detrimento dos Estados e Municípios? Por quê?
Claro que não concordo, porque o atual formato criou uma enorme dependência dos Estados e, principalmente, dos Municípios aos recursos concentrados na União. Historicamente, e este dado se repetiu em 2010 (dado da RFB), a União arrecada 70% da carga tributária bruta do país. O que acontece então? Acontece o que assistimos diariamente nos telejornais, isto é, marchas de prefeitos à Brasília para solicitar repasse de mais recursos para dar conta de suas funções constitucionais mínimas com saúde e educação, por exemplo. Da mesma forma, os governadores vão até Brasília solicitar ao chefe do Poder Executivo federal mais recursos, muitas vezes através de troca de favores políticos. Então, entendo que este modelo não funcionou. Pelo contrário, somente aumentou os problemas regionais e locais – guerra fiscal é uma das conseqüências, por exemplo – pois a União fez foi criar novos tributos, as chamadas contribuições, onde não há repartição com os Estados e os Municípios.
Em sua opinião, qual é o principal problema do sistema tributário brasileiro?
O principal problema do sistema tributário brasileiro é a grande quantidade de normas para regular esta Casa Verde machadiana, este manicômio. Recentemente, um colega nosso, advogado de Minas Gerais, fez algo muito inusitado: colecionou toda a legislação tributária brasileira em um livro. Tudo reunido se tornou um grande calhamaço com 27 mil páginas impressas que pesam 6 toneladas! Este peso simboliza a burocracia, a ignorância, a insanidade deletéria, ou seja, o custo desnecessário que os contribuintes têm diariamente para estar regular neste país. Quem, neste formato, desejaria se regularizar? Ninguém! É simplesmente um absurdo! Tudo isso causa um clima que não favorece aos negócios, pois a imprevisibilidade vai na contramão do Direito, que sempre prima pela segurança nas relações sociais.
A reforma tributária que vem sendo proposta é capaz de resolver esta situação?
Não existe reforma tributária possível no Brasil. Pode existir alguns ajustes, mas reforma acho muito difícil. Veja, por exemplo, este último “ajuste” anunciado: o Governo Federal veio com uma proposta de reforma apenas no âmbito das leis e não das emendas constitucionais. Aspectos clássicos dessa proposta de reforma fatiada são a desoneração da folha de salários, a unificação de alíquotas interestaduais, discussão acerca da origem e destino do ICMS, a desoneração da produção através da aceleração da devolução de créditos do PIS/Cofins e o reajuste do limite de faturamento para enquadramento de empresas no Simples Nacional. Todos eles eixos extremamente bem-vindos do ponto de vista dos anseios nacionais, ficando, porém, a clássica pergunta: a carga tributária realmente vai diminuir? Porque sempre que se dá com uma mão se tira com a outra. Diminuição da carga tributária é outro “sonho freudiano” da sociedade brasileira.
A legislação sobre tributos é bastante complexa, com novas normas fiscais publicadas diariamente. Como o advogado tributarista deve atuar nesse cenário?
Diria que ele não deveria atuar (risos)! Eu sempre digo que desejaria ser apenas advogado constitucionalista, de direitos humanos, pois, talvez, me sentiria mais útil à sociedade. Entretanto, teria que me mudar de país e ir advogar no Chile ou em alguma nação européia pra ter alguma chance de sucesso e reconhecimento. Porém, acho que o tributário me escolheu justamente porque talvez é aqui que será minha maior contribuição à sociedade. Tentar diminuir as mazelas existentes no sistema tributário virou uma paixão, independentemente de qualquer outra coisa. Outro dia meu sócio brincou comigo fazendo uma comparação com o futebol: quando o rapazola conhece o mundo do futebol e todo o dinheiro ali envolvido, ele logo na sequência deseja é ser jogador de futebol. E algo assim acontece com os estudantes de Direito: quando escutam falar do tributário e os supostos “rios de dinheiro” que se ganha se encantam e querem também ser tributaristas. Mas viver o dia a dia do tributário é penoso já que são 46 novas normas tributárias por dia útil no Brasil (dado do IBPT). Você tem que estar muito antenado com tudo o que acontece a sua volta, nas leis, na economia, no setor em que seu cliente atua, fazer especializações e cursos fora, proferir palestras, realizar trabalho voluntário e institucional e ainda cuidar dos prazos processuais. É um mundo cruel, mas recompensador, principalmente, quando você consegue fazer seu cliente economizar alguns milhares de reais cobrados indevidamente.
Para o senhor, como seria a reforma tributária ideal?
Primeiro que não vai existir nada ideal em nossa vida, muito menos quando se fala em reformar algo. Um dos maiores erros do ser humano é ficar idealizando as coisas. Então, partindo dessa premissa, como disse anteriormente, alguns ajustes são possíveis. Fazendo o que é possível já está de bom tamanho. É fato consumado entre os protagonistas que discutem uma sonhada reforma que as receitas tributárias tenham como destino investimentos eficientes e gerem maior inclusão social, assim como ocorre nos países desenvolvidos que possuem alta relação tributos/PIB (Produto Interno Bruto) e têm uma boa qualidade nos gastos públicos. Bem diferente do que ocorre no Brasil, onde burocracia, corrupção e inépcia consomem a administração pública. Então, um dos vieses desses ajustes, logicamente, deverá ser a simplificação. Quanto mais simples e transparente for o sistema melhor será para o ambiente de negócios do país, o que gerará mais emprego. Outro viés seria o do descalibramento do sistema brasileiro na sua tributação sobre renda e consumo, pois a renda das pessoas físicas é muito pouco tributada pelo Imposto de Renda, enquanto o rendimento das pessoas jurídicas está na média mundial de 34%, porém o consumo é muito mais tributado. Perde-se então a função social dos tributos de uma redistribuição de renda, vez que os mais ricos são menos onerados. É preciso desonerar tributariamente o consumo e incrementar tributos sobre renda e patrimônio.
Fonte: Assessoria de Comunicação Integrada da OAB-GO