Na última quinta-feira (16), O professor-doutor Ricardo Lodi Ribeiro, coordenador do programa de pós-graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), presidente da Sociedade Brasileira de Direito Tributário (SBDT) e ex-procurador da Fazenda Nacional, ministrou palestra na Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB-GO. Na ocasião, ele falou sobre a necessidade de se flexibilizar o conceito de guerra fiscal no Brasil e lançou seu mais novo livro, Tributos: Teoria Geral e Espécies.
A palestra foi realizada no momento em que a possível mudança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto Sobre Serviços (ISS) está em discussão. A proposta prevê a unificação da alíquota do imposto para todos os estados. Isso dificultaria que produtos fabricados nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste chegassem aos grandes eixos comerciais com preços competitivos.
Em entrevista ao Portal da OAB-GO, o professor falou sobre a tensão acerca da centralização da legislação tributária e a autonomia de Estados e Municípios, quais as consequências disso, além de abordar os temas tratados em seu novo livro. Confira:
Como o senhor analisa a tensão entre a centralização da legislação tributária – tanto do ICMS como do ISS – e a autonomia de Estados e Municípios?
Há uma tensão constante de solução difícil. Vivemos um momento de centralização, tanto do ponto de vista de projeto de reforma tributária, no sentido de unificar a legislação do ICMS, quanto da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), também no sentido de anular todos os incentivos fiscais concedidos aos Estados e também aos municípios. Por outro lado, existe o interesse dos Estados e municípios em desenvolver uma política fiscal própria. E aí a minha ideia é de que se está universalizando o conceito de guerra fiscal, considerando que qualquer incentivo concedido pelo Estado e município é guerra fiscal e, portanto, deve ser afastado. Qual é a consequência disso: Estado e município não pode fazer qualquer política de atração de investimentos. Quer dizer, é como se você cristalizasse a distribuição de riquezas no território nacional do jeito que elas estão; ou confiar que a União possa, de forma paternalista, resolver esse problema. Ou seja, a nossa Constituição diz que um dos objetivos da República é o combate a desigualdades regionais. Só que dentro desta perspectiva, isso só pode ser feito pela União. Estados e municípios não podem estabelecer políticas autônomas para superar esse quadro de subdesenvolvimento. Quer dizer, isso é grave do ponto de vista federativo.
Goiás é um dos Estados que seria prejudicado com esse tipo de mudança na legislação tributária. Como o senhor vê esse prejuízo?
Longe do mercado consumidor, longe do acesso mais direto ao mercado internacional, longe de uma mão de obra mais qualificada, pagando frete mais caro, é essa a realidade de Goiás. A verdadeira guerra fiscal, ou seja, o abuso na concessão de benefícios fiscais, que traz prejuízo aos outros entes da federação, deve ser combatido, mas não da forma como está sendo feito hoje. Temos um problema federativo sério. Está cada um jogando para sua arquibancada, para sua torcida. Não há um fórum de discussão, que seria o Congresso Nacional, onde possamos sentar todos os Estados e resolver esse problema, que realmente causa transtorno a todos. Cada um está jogando para o seu público. Os parlamentares do Rio de Janeiro querem atender os eleitores do Rio de Janeiro, os de Goiás os eleitores de Goiás, os de Minas Gerais… Não há uma ideia nacional que possa resolver esse conflito.
O senhor defende que haja um consenso entre Estados e União?
Defendo que haja essa ideia, mas mais do que isso eu defendo que no ordenamento jurídico que já temos, que seja flexibilizada essa ideia de que todo benefício fiscal significa guerra fiscal. Então por exemplo, a aparição de investimentos está sendo coibida por uma lei do tempo da Ditadura, a Lei Complementar 24 de 1975, e precisa ser alterada urgentemente. Mas dentro deste quadro, que já está posto, nem tudo significa guerra fiscal. Há um precedente do Supremo interessante, que considera que uma lei do Estado do Paraná, que concede isenção de ICMS para tarifas públicas destinadas a templos de qualquer culto, seja isento. Quer dizer, não há que se falar em imunidade porque o templo é consumidor final, mas haveria o problema da ausência de convênio. E o Supremo diz o seguinte: não há necessidade de convênio, porque aqui não há guerra fiscal, não estou cogitando atração de investimentos. Quer dizer então que, a partir dessa decisão, pode-se extrair novos caminhos. Há uma série de benefícios fiscais que, mesmo diante desse equivocado ordenamento jurídico vigente, podem se manter. Por exemplo: benefícios fiscais associados à baixa capacidade contributiva das pessoas podem ser mantidos; benefícios fiscais vinculados à proteção ao meio ambiente, patrimônio histórico, artístico e paisagístico podem ser mantidos e uma questão interessante é a exploração mineral. Será que posso escolher aonde vou explorar o minério? Aonde vou explorar o ouro? Posso escolher em que Estado vou fazer isso? Não! Vou ter de ir aonde a jazida está. Quer dizer, então, não há que se falar em política de atração de investimento. A leitura que faço e toda crítica que faço ao ordenamento jurídico vigente significa que só posso limitar a autonomia de Estados e municípios naquilo que for essencial para preservação da federação no plano horizontal. Ou seja, não se tem de pensar em federação só impedindo que um Estado passe a perna no outro. Tem de pensar numa federação em que a União não abarque em todas as competências. Encontrar esse ponto ótimo é que é difícil. Para saber até onde a União pode restringir a autonomia local e até onde não pode. Então uma proposta de solução, com o ordenamento jurídico vigente, passa pelo princípio da proporcionalidade. Ou seja, só é legítima a restrição à autonomia local naquilo que for essencial para coibir a guerra fiscal. E muitos benefícios fiscais não estão associados à guerra fiscal. Talvez a maioria deles.
Essa flexibilização ajudaria muitos Estados.
Muitos Estados e municípios. Hoje a questão se coloca aos municípios também. A partir da ementa 37, que decide na forma de lei complementar que define a forma que os municípios iriam conceder benefícios fiscais, mas essa lei nunca vai vir porque já foi difícil estabelecer no ICMS um Confaz com 26 estados e o Distrito Federal. Com 5.665 municípios é impossível. Enquanto isso, Estado não pode conceder isenção de ISS. Sabemos que houve abuso, que a guerra fiscal é bastante agressiva, mas isso não significa que possamos retirar o poder fiscal dos Estados e municípios, e todas as propostas de reforma tributária têm passado por aí. Desde o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, passando pelo segundo, os dois do Lula e o da Dilma, todas as propostas de reforma tributária são no sentido de retirar do Estado a competência para o ICMS. Estado vai ficar só com arrecadação e fiscalização. O que não significa poder de decidir. E federação não é repartição de recursos. Federação é repartição espacial de poder, para aproximar o cidadão da esfera de decisão. Quer dizer, se todas as decisões são tomadas em Brasília, a federação fica bastante fragilizada.
O senhor também está lançando o livro Tributos: Teoria Geral e Espécies. Esses temas também são tratados na obra?
Esse livro talvez seja o único livro hoje no mercado que analise imposto por imposto e as contribuições sociais. Por quê? Porque hoje as contribuições sociais são tão importantes quanto os impostos na vida das empresas. E são verdadeiros impostos: Cofins, PIS, Contribuição sobre o Lucro são tratados como impostos, não há mais qualquer traço de contribuição. Então resolvi fazer um estudo de como se faz nos impostos – e isso há em outras obras -, mas fazer também nas contribuições, esse é o diferencial. Você tem livros sobre impostos, tem até livros sobre contribuições, mas um volume só que junte tudo isso analisando sistematicamente não tem. E quando falo de ICMS e ISS eu abordo essa questão da guerra fiscal e autonomia local.
Fonte: Assessoria de Comunicação Integrada da OAB-GO