O tapa agride o corpo e o espírito. A palavra insulta a alma. A violência se apresenta em gestos impeditivos: não pode ir a algum lugar, usar uma roupa ou conseguir o próprio trabalho. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, nos anos de 2020 e 2021, 2.695 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, mortas pela condição de serem mulheres. Nesse cenário, toda proposta de acolhimento é mais que bem-vinda. É necessária.
Com esse mote – acolher, cuidar e proteger -, existe em Jataí um grupo de mulheres ajudando mulheres. Uma rede feminina que une as mãos e socorre quem é vítima de violência doméstica, dando além do acolhimento emocional, apoio jurídico gratuito. É a proteção máxima ao direito de existir.
S. V. A. P, de 40 anos, foi uma das atendidas pela Comissão Especial das Mulheres Empenhadas, núcleo especializado da Subseção de Jataí da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO) que, de forma inédita nos moldes em que acontece, realiza acompanhamento gratuito e oferece apoio jurídico e social às mulheres em situação de hipossuficiência econômica que foram vítimas de violência.
S. era casada quando foi agredida pela primeira vez pelo ex-companheiro. No hospital, a assistente social foi a ponte para que ela conhecesse o projeto e uma das advogadas que compõem a comissão. Foi por meio desse contato que a vida de S. mudou. Ela se divorciou, casou novamente e, junto com as duas filhas, tem finalmente a felicidade como sua companhia diária. Mas sua história nem sempre foi assim.
“Quando eu olhava para os cantos, não via saída, mas Deus colocou esse projeto na minha vida para fazer a diferença. Hoje eu vivo minha vida maravilhosamente bem e sem olhar para trás, principalmente sem deixar que ninguém faça comigo o que já fizeram. Não deixo mais, não permito”. Suas palavras são ditas com a força conquistada graças ao apoio das Mulheres Empenhadas.
Sua história foi acompanhada desde o começo, ainda no hospital, até o fim do julgamento do processo no âmbito do Juizado da Violência Doméstica de Jataí, cuja titularidade é da juíza Sabrina Rampazzo. Apenas em 2022, mais de 1.300 mulheres foram atendidas, o que significa cerca de três atendimentos por dia. Em média, a Comissão participa de 40 audiências por mês. “Hoje eu ando de cabeça erguida. Foi com esse projeto que eu nasci e conheci a felicidade. Hoje eu posso dizer: eu sou feliz”, resume S., emocionada.
Os números expressivos refletem o cotidiano de violência ao qual as mulheres jataienses estão suscetíveis. S. é uma vida salva. Uma vida que multiplica aprendizados e salva outras vidas.
“Hoje eu vejo o homem com outro olhar, eu não deixo falar comigo nem com uma pessoa próxima de mim de qualquer jeito. Se eu vir que a pessoa está falando de uma forma inadequada, eu deixo o homem sair, chamo aquela mulher e falo que está errado [a forma como ele falou], que de alguma forma ele está a agredindo em palavras. No meu trabalho, minhas colegas chegam comentando como os maridos delas se comportam, eu falo que está errado. Através desse projeto a minha mente clareou e abriu pro mundo do jeito que as pessoas falam”, relata.