Discurso – Abertura do Colégio de Presidentes de Seccionais

Senhoras e Senhores, boa noite.

Representantes de 26 Estados e do Distrito Federal, capitaneados pela Diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil se reúnem hoje e amanhã, na capital de Goiás, para o Colégio de Presidentes de Seccionais da OAB. Momento raro e especial em que os representantes máximos da advocacia brasileira se encontram para refletir e debater acerca dos caminhos e destinos da profissão – mas também dos caminhos e destinos da sociedade e do país.

Para muitos é motivo de certa perplexidade a especial importância que, em nosso país, se dá à Ordem dos Advogados do Brasil. Essencial à administração da justiça, como prevê a constituição, e por força de lei, defensora dessa mesma Constituição, da ordem jurídica do Estado democrático de direito, dos direitos humanos e da justiça social, a advocacia e a OAB de fato ocupam lugar diferenciado no regime democrático e republicano brasileiro. Por aqui, a sociedade escuta – e quer saber – o que pensa a OAB; mais do que isso: exige que a Ordem se posicione e atue na defesa daqueles valores máximos sintetizados na noção de Estado democrático de direito.

O observador atento, porém, facilmente entende esse protagonismo exercido pela advocacia nas questões do Estado e da sociedade. Afinal, não há Estado de Direito sem leis, e onde há leis, há que haver advogados para operá-las e para garantir que sejam respeitadas. Nas tiranias, em que não é a vontade da lei, mas a vontade dos homens, dos tiranos, que prevalece, não há lugar para advogados. Daí a natural importância da advocacia para os Estados que se submetem ao império do Direito.

A Ordem dos Advogados do Brasil é daquelas instituições cujo tempo se encarregou de construir, moldar e tornar indispensável à nação. Não é poder constituído, é bem verdade, mas na democracia brasileira funciona como se fosse, pois sua vocação histórica é de instituição de controle democrático dos atos dos detentores do poder do Estado. Por independente da política e por estar fora dos orçamentos públicos – e sobretudo por deles não depender – a OAB exerce a essencial função de controle do arbítrio do poder estatal, em suas mais diversas manifestações. Democracia, afinal, não é apenas a forma de legitimação da outorga do poder pelo povo, mas também o controle efetivo do poder outorgado. Como bem enxergou FRIEDERICH AUGUST VON HAYEK, “é injustificado supor que, enquanto o poder for conferido pelo processo democrático, ele não poderá ser arbitrário. Essa afirmação pressupõe uma falsa relação de causa e efeito: não é a fonte do poder, mas a limitação do poder, que impede que este seja arbitrário”.

Longe, pois, de uma autoproclamada importância, a OAB e a advocacia devem a sua relevância à tradição de sua história, ao reconhecimento social de seu papel e à longa lista de serviços prestados ao país. E são essas tradição e história que nos encarregamos de dar continuidade neste Colégio de Presidentes de Seccionais.

Nosso primeiro compromisso, por óbvio, é com a advocacia brasileira, que se vê pressionada de todos os lados: o excesso de vagas em cursos de Direito a acarretar desequilíbrio no mercado de trabalho; tratamento dispensado pelo Judiciário brasileiro incompatível com a importância da profissão, tendo como exemplo mor a submissão da advocacia a revistas constrangedoras nas portas dos fóruns brasileiros – e o pior: sob a anuência do CNJ; violação cotidiana das prerrogativas profissionais – vai outro exemplo: gravação das entrevistas de advogados com seus clientes em presídios e quebra de sigilo telefônico de escritórios de advocacia; investidas que buscam criminalizar a legítima atuação profissional – advogados pareceristas diariamente sendo alvo de ações de improbidade; tentativas de obrigar a advocacia a investigar a origem dos recursos relativos a honorários. Advocacia fragilizada é cidadania sujeita ao arbítrio, pelo que só a derrubada dos vetos à lei de abuso de autoridade, mormente no que toca à criminalização da violação das prerrogativas profissionais, pode se não reequilibrar, ao menos minorar o descompasso de forças entre acusação estatal e defesa do cidadão. Penso ser este o ponto mais importante da carta de Goiânia, a ser amanhã assinada por todos os presidentes.

Abro aqui um breve parênteses: nenhum de nós, ao defender o respeito às garantias fundamentais e às prerrogativas da advocacia – sem as quais essas mesmas garantias fundamentais viram pó – defende a impunidade ou a corrupção. Essa é uma falsa contradição, de que lançam mão aqueles que não querem respeitar os ritos legais e para quem os fins justificam os meios. Apenas lamento que vivamos um período de inversão de valores, em que os que abusam do poder que transitoriamente detém são exalçados pela opinião pública à condição de heróis; e os que defendem pelos menos 300 anos de evolução civilizatória sejam tidos como defensores de bandidos e corruptos. Mas é como dizia ORTEGA Y GASSET: “nos motins que a escassez provoca soem as massas populares buscar o pão, e o meio que empregam sói ser destruir as padarias”.

Incumbe igualmente a este colégio reafirmar o compromisso da Ordem dos Advogados do Brasil com a sociedade e com o país. Há dificuldades? Não há dúvida. O país se encontra polarizado entre distintas visões de mundo, erguendo entre brasileiros uma verdadeira cortina de ferro como a que outrora dividiu a Europa. Mas questiono: em que momento da história do país e da Ordem não houve dificuldades, divisões e intolerâncias? Mais do que nunca à OAB incumbe a palavra da moderação. Democracia, afinal, é a construção do consenso em meio ao dissenso. E não falo aqui de moderação acovardada e omissa; falo da corajosa moderação de FAORO, que defendia não provocar o governo e nem condescender com suas ilegalidades; falo da moderação de CHESTERTON, para quem a moderação não é algo frio e inumano, mas cálido e ardente, pois é resultado do muito sentir: “pois se muito sentimos tendemos a muito sentir por homens bons e maus, por causas certas e erradas, por posições mais ou menos defensáveis”. É porque sentimos muito que nós, advogados, não aceitamos a máxima radical do “bandido bom é bandido morto”, pois ao atuar nos processos penais conhecemos as complexidades que levam o indivíduo ao crime e, sobretudo, conhecemos os indivíduos e vemos que ali não há diabos, mas gente – e gente muito parecida conosco. Essa, aliás, uma lição que já deveríamos ter aprendido: na vida não há ou santos ou demônios; ou branco ou preto; mas a mistura de tudo isso, em doses incontáveis de cada qual. Em momento, pois, que o radicalismo quer se instalar, somos concitados, como dirigentes de Ordem, à moderação corajosa e altiva, sob a batuta de nosso Presidente Nacional FELIPE SANTA CRUZ, homem preparado para a missão e em quem sobejam a liderança, a coragem, a inteligência e, claro, o apoio de nós, presidentes de Seccional, para conduzir a Ordem em meio a tanta turbulência.

Para nos inspirar a todos que lideramos em tempos de radicais, fica o exemplo, sábio e engraçado ao mesmo tempo, de TANCREDO NEVES, que quando assumiu a função de primeiro-ministro de JANGO, questionado sobre a orientação ideológica de seu governo, saiu-se com essa: “somos um governo de centro, com tendências para a esquerda conservadora”.

Senhoras e Senhores, GOIÁS e sua advocacia dão-lhes as boas-vindas, na certeza de que realizaremos um grande colégio de presidentes, pelo bem da advocacia, da OAB e do Brasil.

Lúcio Flávio Siqueira de Paiva


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