Lei da Ficha Limpa é o tema da entrevista do Portal da OAB-GO desta semana. O assunto foi abordado pelo conselheiro seccional e presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral da instituição, advogado Danilo Santos de Freitas. Especialista em Direito de Estado Concentrado em Constitucional, Administrativo e Eleitoral, o entrevistado é também professor de Direito Eleitoral e presidente do Instituto Goiano de Direito Eleitoral (IGDEL). Confira:
A Lei Complementar nº 135/10, conhecida como Lei da Ficha Limpa, foi sancionada em junho de 2010, mas até hoje gera controvérsias. Em sua opinião, essa norma é constitucional?
Podemos dividir a resposta em partes. De forma geral, a aprovação da lei pelo Congresso Nacional se deu de forma correta, portanto, formalmente ela é constitucional. Agora, de forma específica, analisando cada um dos dispositivos da referida lei, encontramos questões polêmicas que dividem a opinião de juristas, magistrados e membros do Ministério Público quanto à constitucionalidade. Isso ocorre já no conceito de inelegibilidade que se aplica em todos os artigos. Para alguns, tem natureza de pena ou sanção, para outros não. Isso é de suma importância, porque definiria, por exemplo, se seria constitucional retroagir a inelegibilidade mais severa para sua aplicação antes de sua vigência, aplicando-se um tempo maior de inelegibilidade com base na nova lei, quando uma sentença anterior transitada em julgado condenou em tempo menor, ampliando-se, portanto, a sua aplicação, o que, na visão de alguns, feriria o princípio da irretroatividade, o conceito de que o tempo rege o ato, a segurança jurídica, além de ofensa ao ato jurídico perfeito.
Outro ponto discutido entre todos é quanto ao princípio da inocência. Nesse caso, a lei inovou quando prevê a aplicação de inelegibilidades aos “…que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado…”, no que tange à primeira hipótese, não há discordância, a questão é se reconhecendo ou aplicando a inelegibilidade aos que tenham contra si apenas uma decisão proferida por órgão colegiado, sem o trânsito em julgado, não estaria ocorrendo a violação ao referido princípio. Outra questão ainda diz respeito à eficácia da lei no tempo. Para alguns, a nova lei somente poderia reger os casos iniciados após a sua vigência, não podendo, por isso, abranger processos já iniciados, tal como se deu quanto à interpretação do novo Código Civil quando entrou em vigor. Certo é que esses são alguns dos vários questionamentos sem resposta da Suprema Corte até o momento, mas que servem para demonstrar o tamanho da discussão existente até o julgamento final, que se espera que seja antes do registro das candidaturas para o pleito de 2012, para que não se repita a insegurança verificada nas eleições de 2010.
A Lei da Ficha Limpa deveria se aplicar às eleições de 2010 ou somente ao deste ano?
Embora não pôde ser aplicada em 2010, por força do princípio da anterioridade disposto no art. 16 da CF/88, a sua vigência formal para as eleições de 2012 é constitucional, devendo apenas observar se de forma específica alguns dispositivos da lei, como mencionei antes, serão considerados constitucionais até lá. É certo que, se não tiver ocorrido um posicionamento definitivo do Supremo Tribunal Federal a respeito desses dispositivos, o candidato que estiver inserido em alguma das inelegibilidades previstas na lei, sobre os quais exista questionamento, poderá arguir a sua inconstitucionalidade incidental na oportunidade de sua defesa.
Para o senhor, a que se deve, de fato, a protelação do julgamento da Lei da Ficha Limpa pelo Supremo Tribunal Federal (STF)?
É oportuno dizer que um julgamento dessa magnitude, que envolve e mexe com a estrutura política do País, pelo menos no que se refere às candidaturas para cargos eletivos, deve ser proferido pelo Supremo Tribunal Federal com a sua composição completa, o que não estava sendo possível em virtude da aposentadoria da Ministra Ellen Gracie e a demora na escolha e nomeação por parte da Presidente, a sabatina pelo Senado Federal, e a posse do seu substituto. Agora, vencidas essas etapas, entendo que a demora no julgamento se dá em virtude da natureza da discussão. Não acredito em protelação motivada, porque isso não beneficia ninguém, nenhum partido ou político em específico, nem mesmo o Governo e oposição, e muito menos o próprio Judiciário, que a cada dia que passa recebe as críticas do seu retardo.
A mobilização da população para a aprovação do projeto que resultou na Lei da Ficha Limpa demonstra o amadurecimento político dos brasileiros?
Gostaria de acreditar que sim e apostaria muito que fosse real esse amadurecimento político por parte dos brasileiros, mas a experiência me impõe uma resposta cautelosa, um talvez. Isso porque a coleta das assinaturas e a exigência do povo para aprovação da lei pode não ter sido fruto de um despertar ou amadurecimento político dos brasileiros, mas, tão somente, do poder de mobilização que a mídia exerce na grande “massa” da população, impulsionando-a a agir sem que desse conta do que ou porque está agindo. Para isso, teríamos que analisar a forma como foram colhidas as assinaturas, se houve a devida explicação para o que se tratava ou se simplesmente foram colhidas as assinaturas. De toda sorte, o simples fato de existir a lei é um avanço, ainda que venha a ser considerada em alguns pontos inconstitucional, isso porque, de fato, hoje existe e foi iniciada a discussão quanto à exigência de existir políticos probos na chefia dos destinos desta nação.
O senhor acredita na validação dessa lei para as eleições deste ano?
Como disse antes, a lei, de forma geral, pode ser aplicada nas eleições de 2012, mas, de forma específica, essa validação depende da interpretação de dispositivos individuais por parte do Supremo Tribunal Federal. A discussão é ampla, como mencionei anteriormente, e muito mais que minha opinião, quando acho que alguns pontos serão cortados pela Corte Suprema, espero que seja respeitado o Estado Democrático de Direito.
Além das questões tratadas na Lei da Ficha Limpa, que outras mudanças deveriam ser promovidas pela Reforma Política?
Costumo dizer que, no Brasil, as reformas, de um modo geral, não são as ideais, mas as possíveis de serem implementadas. Quanto à reforma política, poderia se estabelecer o fim das coligações proporcionais; reeditar, agora de forma constitucional, a cláusula de barreira para os partidos, porque entendo que seria a lei de Darwin da política, ou seja, naturalmente os partidos maiores iriam se fortalecer, deixando de existir os pequenos partidos inexpressivos ou de aluguel, que em nada contribuem no cenário político; voto distrital; etc.
Quais são os planos da Comissão de Direito Político e Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil para este ano? Há algum projeto para as eleições?
A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Goiás tem tratado as eleições ao longo dos anos e dos sucessivos pleitos de forma especial, tanto que integra o MCCE – Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral e coloca à disposição da população um canal direto para denúncias, que antes de serem encaminhadas à autoridade policial e ao Ministério Público, legítimos para acionar o Poder Judiciário, são analisadas pelos membros da Comissão de Direito Político e Eleitoral da seccional, que fazem uma triagem dos elementos e avaliam o seu êxito, para que não sejam enviadas denúncias vazias e fracas. Por exemplo, em eleições passadas, grande parte das denúncias que culminaram em cassação de políticos por corrupção eleitoral foi recebida pelo disque-denúncia da OAB-GO, que será reativado para esse pleito de 2012.
Fonte: Assessoria de Comunicação Integrada da OAB-GO