O artigo "Crítica ao texto do artigo 699 do Projeto do Código de Processo Civil" é de autoria do advogado e professor Ezequiel Morais. Confira abaixo.
O atual Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 166/2010 [1] tem por escopo a reforma do Código de Processo Civil. Podemos constatar do seu texto várias novidades, futuras modificações que certamente serão bem-vindas.
Com o advento da Constituição Federal (em 1988), da Lei 11.441/2007 e da Emenda Constitucional 66/2010 (outrora chamada de “PEC do Divórcio”) – dentre tantas outras normas –, rompemos paradigmas seculares. Princípios que antes eram considerados intocáveis foram relativizados, a bem do justo e dos anseios da nossa sociedade pós-moderna. E o mesmo ocorrerá com o futuro CPC: mudança de mentalidade.
Observa-se que a doutrina e o Poder Judiciário têm destinado incomensuráveis esforços para acompanhar essa evolução social e contribuir para o progresso legislativo, ainda mais no caso específico (Direito de Família e Sucessões).
Todavia, a proposta de alteração de uma norma merece nossa análise e preocupação – em particular, o texto do art. 699 do Projeto 166/2010,[2] que pode vir a substituir o atual art. 1.124-A do CPC.[3]
Explica-se. Logo após a entrada em vigor da Lei 11.441/2007 (que criou o art. 1.124-A), inúmeras dúvidas pairavam sobre a obrigatoriedade e a facultatividade do procedimento extrajudicial de separação e divórcio nas hipóteses legais.
Assim, ocorreram debates e mais debates a respeito do “poderão” ou “deverão”, visto que o texto do referido artigo conduzia o leitor, o aplicador da lei a caminhos diferentes a depender da forma de interpretação da norma. Surgiram, pois, divergências doutrinárias e jurisprudenciais.
Fato é que transcorrido certo tempo a poeira assentou-se e a jurisprudência resultou uníssona, ou seja, as partes interessadas podem optar entre o procedimento judicial e o procedimento extrajudicial de separação e divórcio. Enfim, resumindo, é uma faculdade.
Ainda, dissemos em outro estudo mais aprofundado (conferir: “A facultatividade do procedimento extrajudicial para divórcio, inventários e partilhas: considerações sobre o art. 1.124-A do CPC”. In: DELGADO, Mário Luiz; COLTRO, Antônio Carlos Mathias (Coords.). Separação, Divórcio, Partilhas e Inventários Extrajudiciais. 2ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Método, 2010) que a razão e o espírito da Lei 11.441/2007 apontam, desde o projeto na Câmara dos Deputados, para a facultatividade do procedimento extrajudicial de separação, divórcio, inventário e partilha. O advento de norma que possibilita atuação na esfera administrativa não deve provocar a extinção dos respectivos meios judiciais.
Na hipótese em análise, quando as partes optam pelo procedimento judicial querem a segurança do Poder Judiciário e, muitas vezes, resguardar o sigilo – o que não se consegue no procedimento extrajudicial – sabemos todos disso.
Reconhecemos que a Lei 11.441/2007 (art. 1.124-A do CPC) cumpre a sua função e reduz a intervenção do Poder Judiciário nas relações jurídicas (com conteúdo patrimonial ou não) entre os casais. Sem dúvida, é uma necessidade, boa necessidade!
Aliás, a jurisprudência (o TJ-SP num acórdão em sede de recurso de apelação comungou com o mesmo entendimento aqui exposto – Apc 552.511-4/8-00, por exemplo) acabou por adotar a facultatividade do procedimento extrajudicial como o melhor caminho, visto que a CF/1988 prestigia o acesso pleno e incondicional ao Judiciário (Direito Fundamental).
Entretanto, e por fim, o texto do art. 699 do Projeto 166/2010, que poderá substituir o atual art. 1.124-A do CPC, vai de encontro com norma maior pois exclui o termo “poderão” (ideia de facultatividade) e o substitui por “serão” (ideia de obrigatoriedade que deságua na vedação ao acesso ao Poder Judiciário). Em outras palavras, caso a proposta seja aprovada, não teremos outra conclusão a não ser a da inconstitucionalidade.
[1] O Projeto do novo CPC (PLS 166/2010), de autoria do senador José Sarney, encontra-se na presente data (fevereiro de 2011) na Secretaria de Expediente desde 20/12/2010, após aprovação do Substitutivo, para ser remetido à Câmara dos Deputados. O senador Valter Pereira foi o Relator Geral da Comissão de Reforma do Código de Processo Civil.
[2] PLS 166/2010 (Texto atual – Substitutivo aprovado – Parecer de 1º/12/2010). “Art. 699: O divórcio e a extinção de união estável consensuais, não havendo filhos menores ou incapazes e observados os requisitos legais, serão realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 697”. (Grifei).
Para mero conhecimento, o texto anterior do Projeto era: “Art. 667. A separação e o divórcio consensuais, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, serão realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata ao art. 665”.
[3] Lei 11.441/2007. CPC. Art. 1.124-A. “A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento”. (Destaquei).
*Para análise mais aprofundada do tema, confira a nossa obra em coautoria “A facultatividade do procedimento extrajudicial para divórcio, inventários e partilhas: considerações sobre o art. 1.124-A do CPC”. In: DELGADO, Mário Luiz; COLTRO, Antônio Carlos Mathias (Coords.). Separação, Divórcio, Partilhas e Inventários Extrajudiciais. 2ª ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a Lei 11.965/2009 e com a Emenda Constitucional 66/2010. São Paulo: Método, 2010.