Tarde de chuva fina em Trindade, a 18 quilômetros de Goiânia. Dois filhotes de cachorro brincam despreocupadamente perto da grama recém-cortada. Esse cenário de tranquilidade se contrasta com a realidade de 27 homens com laudo de transtornos psiquiátricos que, em frente a essa brincadeira dos pequenos animais, se encontram em regime fechado no sistema prisional, quando o recomendado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é que a medida seja cumprida na rede pública de saúde, como em residências terapêuticas e unidades dos Centros de Atenção Psicossocial. Esses homens se encontram em cela, com capacidade para receber 10 detentos, apenas um banheiro e encanação que conta com água das 7 às 23 horas, se amontoando em busca de um espaço para acomodação.
Para averiguar realidades como essa, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), Comissão de Segurança Pública e Política Criminal e integrantes da subseção inspecionaram, na tarde de quinta-feira (4), a Unidade Prisional de Trindade.
O local, que tem capacidade para 128 pessoas, abriga atualmente 453 detentos, entre eles homens e mulheres, que cumprem pena em regime fechado, semiaberto e aberto. Entre paredes rabiscadas, versículos bíblicos, fotos de familiares e pôsteres de mulheres nuas, eles se amontoam em celas que deveriam alojar 10 reeducandos mas chegam a acomodar 32. Eles se espremem debaixo dos beliches, no chão e até dentro do banheiro.
Ainda existem casos como o de Adão, que tem 66 anos e uma diabetes aguda que se complicou ocasionando uma ferida grave no pé direito. Cumprindo pena em regime semiaberto, ele, funcionário da prefeitura, precisa percorrer a pé, diariamente, mais de quatro quilômetros, já que a estrada que dá acesso à Unidade Prisional de Trindade não é pavimentada e não tem transporte público que interliga o local à estrada.
Por conta desse problema de transporte, falta de segurança e infraestrutura, como iluminação pública, somente no ano passado três presos do regime semiaberto foram executados nesse percurso e houve uma tentativa de homicídio.
O problema também atinge o quadro de funcionários, que tem um déficit considerável. Dos 46 funcionários, 35 são agentes, somente 11 efetivos, que se revezam por turno e de acordo com a quantidade de horas trabalhadas estabelecidas pela categoria. Esse déficit de pessoal é tão grave que, atualmente, o contingente recomendado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária é na proporção mínima de um agente penitenciário para cinco presos, enquanto a Unidade tem trabalhado com um agente para 90 detentos.
Para o presidente da CDH, Rodrigo Lustosa Victor, o Estado de Goiás precisa intensificar os investimentos no sistema prisional. “Verificamos uma estrutura absolutamente corroída, que dela se aproveita a abnegação de seus servidores, que mostram dedicação, mas pouco podem fazer frente a essa situação caótica”, denuncia.
Essa também é a posição do vice-presidente da Comissão Tarihan Chaveiro Martins. Segundo ele, essa vistoria é importante para expor o problema enfrentado diariamente no sistema prisional, não só de Goiás, mas de todo o país, que não abrange somente a administração penitenciária, mas passa pela cultura punitivista.
Trabalho
O trabalho é facultativo e, atualmente, 89 presos atuam em atividades como horta, cozinha, três confecções instaladas dentro da Unidade e fábrica de colchões. Ainda existe uma sala de aula onde funciona o projeto de Educação de Jovens e Adultos (EJA), assim como cursos de capacitação profissional, ministrados pelo Senac.
Segundo Lustosa, essas ações devem ser ampliadas na Unidade Prisional. “O trabalho para o preso é uma das grandes alternativas à ressocialização impactando inclusive a saúde mental, já que o aprisionado não tem um lugar na sociedade, deixando de ser pai, trabalhador, amigo, vivendo segregado e perdendo sua função social e o trabalho pode devolver a ele essa função”, defende.
Medidas
Perante as diversas situações de violação dos Direitos Humanos, a OAB-GO pretende fazer um relatório com a situação encontrada e lançar movimentos de luta para o cumprimento da Lei de Execução Penal. “Não estamos reivindicando regalias e, sim, o cumprimento da lei”, enfatiza Lustosa.
O representante da Comissão de Segurança Pública e Política Criminal, André Carneiro, ressaltou que para a efetividade dessas ações, a Ordem cobrará do Judiciário sempre que necessário e buscará a visibilidade dessa luta pelo cumprimento da Lei.
Imagem
Durante a inspeção, a OAB-GO foi informada que o fotógrafo estava proibido de tirar fotografias da estrutura interna da Unidade Prisional de Trindade, por conta de uma portaria emitida pela Secretaria de Segurança Pública de Goiás.
Mesmo com a explicação de que as imagens eram necessárias para se constar nos relatórios, o impedimento foi mantido. “A OAB-GO é contrária a essa restrição, pois o registro fotográfico é essencial para documentação da real situação do presídio. Por isso, levaremos essa reivindicação ao secretário, pois cumprimos sempre todas as normas de segurança em estabelecimentos prisionais, não colocando ninguém em risco”, diz o presidente da subseção de Trindade, Marcelino Assis Galindo. (Texto: Maria Amélia Saad – Assessoria de Comunicação Integrada da OAB-GO)