Omissão, irresponsabilidade e improbidade administrativa. Eis os principais "qualificativos" que se pode atribuir às autoridades públicas federais e estaduais pela expansão da criminalidade e o clima de impunidade e descaso em que vive a população na região de Extrema, a cerca de 400 km de Porto Velho (RO), na tríplice fronteira de Rondônia com Acre e Amazonas – relata o diretor-tesoureiro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Miguel Ângelo Cançado, que integrou pela entidade uma Comissão Externa do Senado formada para investigar os assassinatos de líderes rurais que ali lutavam contra a exploração ilegal de madeiras. A última vítima, na semana passada, foi o agricultor Adelino Ramos, o Dinho, líder remanescente do Movimento Camponês de Corumbiara (RO), onde houve o massacre de sem-terras em 1995. Dinho foi executado a tiros na frente da esposa e das filhas no último dia 27 em Vista Alegre do Abunã, próximo a Extrema.
"Na verdade, o que vimos é o retrato de mais de quinhentos anos de completo abandono, de sofrimento, pois as pessoas aqui ouvidas, muito embora sejam simples e, em geral, com pouco ou nenhum grau de instrução, sabem que existe uma Constituição Federal a lhes garantir direitos, mas também sabem que essas garantias estão ainda muito distantes delas, pois não vêem, senão nos momentos de campanhas eleitorais, a perspectiva de serem inseridas no contexto de cidadania|", escreveu Miguel Cançado em seu relatório sobre a viagem com os senadores, feita num avião da Força Aérea Brasileira (FAB). Seu denso relato sobre os dramas da região foi encaminhado ao presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, que o examina para encaminhamento de ações e cobrança de providências.
Para Miguel Cançado, "irresponsabilidade e improbidade administrativa, é o mínimo que se pode atribuir às autoridades públicas federais e dos três Estados, muitas delas coniventes com os crimes que se avolumam em proporções alarmantes". Ele anotou também em seu relato ao presidente nacional da OAB que "uma das cobranças mais intensas apresentadas pelos presentes foi a elucidação dos crimes, como o do agricultor Dinho e a imediata punição dos culpados – aliás, a certeza da impunidade também foi alvo de diversos pronunciamentos e do protesto de muitos".
A seguir, a íntegra do relatório de Miguel Cançado sobre a visita da comissão de senadores e representantes de entidades a Extrema, em Rondônia:
"Cerca de duzentos trabalhadores, produtores e proprietários rurais estiveram reunidos nesta segunda-feira na audiência pública promovida pelo Senado Federal, ocorrida no Ginásio de Esportes do Distrito de Extrema na divisa entre os Estados de Rondônia, Acre, Amazonas e a Bolívia.
Audiência foi conduzida pela senadora Vanessa Graziotin (PCdo B-AM) e contou ainda com a presença do representante do CFOAB, o DT, MAC, ainda os senadores Valdir Raupp (PMDB-RO), Pedro Taques (PDT-MT) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).
O abandono a que está submetida a população local e a completa ausência do Estado brasileiro foram as palavras de ordem mais invocadas pelos participantes do evento.
A região é extremamente pobre e falta tudo, saneamento, água, saúde, educação, segurança, transportes, rodovias. A falta de segurança e o constante conflito fundiário na região têm motivado a morte de lideranças e trabalhadores rurais, como a do agricultor Adelino Ramos, o Dinho, ocorrida no último dia 27.
Há anos a população local reivindica a emancipação do Distrito de Extrema, tendo sido aprovada a criação em plebiscito realizado em 2010, mas o processo encontra-se no Congresso Nacional.
Para o DT, MAC, o que se vê na região hoje visitada é uma face cruel, perversa, do descaso do Estado brasileiro para com a gente que vive à espera do cumprimento de promessas históricas de solução das questões fundiárias e da chegada de um mínimo de dignidade e de justiça social.
Na verdade, o que vimos é o retrato de mais de quinhentos anos de completo abandono, de sofrimento, pois estas pessoas aqui ouvidas, muito embora sejam simples e, em geral, com pouco ou nenhum grau de instrução, sabem que existe uma Constituição Federal a lhes garantir direitos, mas também sabem que essas garantias estão ainda muito distantes delas, pois não vêem, senão nos momentos de campanhas eleitorais, a perspectiva de serem inseridas no contexto de cidadania.
Perguntado se sabia quem teria executado ou mandado executar o agricultor Dinho, Aparecido Bispo diz, no microfone, para todos ouvirem, não ter dúvida de que foi o Estado brasileiro que o matou, por não vir aqui garantir um mínimo de segurança às pessoas, sobretudo aquelas ameaças publicamente de morte. A região, dizem alguns, é um verdadeiro barril de pólvora, prestes a explodir a qualquer momento.
Irresponsabilidade e improbidade administrativa, é o mínimo que se pode atribuir às autoridades públicas federais e dos três Estados, muitas delas coniventes com os crimes que se avolumam em proporções alarmantes.
Não faltaram duras críticas à FUNAI e ao IBAMA, que não tiveram representantes na audiência.
É possível ver no rosto das pessoas a angústia pelo descaso e pela insegurança quanto ao futuro de cada um. Por isso, o que se espera é que o Senado Federal aja com firmeza na condução das graves mazelas hoje denunciadas.
Um País que se pretende grande, que quer exibir números de crescimento significativos à comunidade internacional, que almeja extirpar a fome e a miséria entre os seus, não pode conviver com esta realidade, não pode ver cidadãos em número elevado sendo tratados na mais plena falta de condições humanas.
Uma das cobranças mais intensas apresentadas pelos presentes foi a elucidação dos crimes, como o do agricultor Dinho e a imediata punição dos culpados. Aliás, a certeza da impunidade também foi alvo de diversos pronunciamentos e do protesto de muitos.
Enfim, pessoas que mal sabem manifestar seus sentimentos, fizeram relatos emocionados e entusiasmados para pedir que as autoridades presentes, em especial os Senadores, levassem a Brasília seu grito de socorro, querendo dizer que o Brasil precisa, urgente, olhar para a região amazônica com a vontade não só da preservação do meio-ambiente, mas sobretudo da necessidade de levar dignidade às pessoas humanas, sob pena de pagar um preço muito alto pela histórica omissão hoje denunciadas publicamente em Extrema no Estado de Rondônia.
Na volta da delegação a Porto Velho, o presidente da OAB-RO, Hélio Vieira, esteve com o DT MAC e com os senadores, oportunidade em que falou das providências e iniciativas da Seccional, que inclusive criou e instalou comissão específica para tratar da questão agrária e da violência no campo no seu Estado. Hélio Vieira, que é muito ligado aos movimentos sociais, manifestou ao diretor do CF suas preocupações e a disposição de também contribuir para que se avance na solução dos problemas da região.”
Fonte: site do Conselho Federal da OAB