Sou daqueles que considera que o início do cumprimento da pena somente após o trânsito em julgado é receita certa de impunidade, um verdadeiro mal para o País. Sou, também, daqueles que entende que a CF/88, em seu inciso LVII, só permite o início do cumprimento da pena após o trânsito em julgado; antes disso, o processado é presumidamente inocente e, por isso mesmo, não pode ser submetido a uma execução definitiva da pena de prisão.
Encontro-me, pois, naquela desconfortável situação de querer alcançar um fim – no caso, o nobre fim de acabar com a impunidade mediante o início do cumprimento da pena após condenação em segundo grau –, reconhecendo, porém, que a Constituição simplesmente não permite que isso aconteça. Eis o dilema: ficar com a minha vontade, ante a nobreza do fim, ou com a Constituição, ainda que isso acarrete a odiosa impunidade que grassa em nosso sistema penal?
“Por mais tentador que seja proceder de forma contrária, o jurista deve sempre ser fiel à lei”Por mais tentador que seja proceder de forma contrária, o jurista deve sempre ser fiel à lei. Não se afasta o texto constitucional com a mesma facilidade com que se afasta uma barata morta para o lado, ainda que se reconheça que o constituinte, na questão de uma quase eterna presunção de inocência, errou – e realmente errou. Ainda assim, se queremos preservar a conquista civilizatória de sermos governados por leis e não por homens, os voluntarismos pessoais, mesmo os nobilíssimos, devem ceder, sempre, à vontade soberana da lei.
Daí o enorme desconforto que se percebeu no julgamento do HC do ex-presidente Lula por parte dos ministros do STF que votaram contra o texto expresso da CF. Malabarismos e argumentos metajurídicos sobraram, a ponto de um dos ministros dizer que não é esse país de impunidade que ele quer deixar aos filhos. Pergunto: e alguém quer? Mas também não quero deixar aos meus filhos um país que seja governado não pela lei, mas pelos voluntarismos de certos homens, usem eles toga ou não. A Constituição em particular, e as leis em geral, não podem ser aplicadas somente quando coincidem com nossas vontades ou com os fins que anelamos; devem ser aplicadas sempre.
Quanto às questões da prisão com condenação em segundo grau e o trânsito em julgado, há uma forma correta de se atingir o fim buscado, que é a vontade clara da população brasileira, sem maltratar a Constituição ou judicialmente reescrevê-la: basta alterar, na lei ordinária, o conceito de trânsito em julgado. Ao invés de esgotamento de todos os recursos, o trânsito em julgado se daria com o esgotamento dos recursos ordinários. Pronto. Permitida estará a prisão com condenação em segundo grau, pelo jeito certo, democraticamente e sem ativismos judiciais.