Artigo: A voz transparente da toga

19/02/2008 Antiga, Notícias

 


O artigo “A voz transparente da toga”, de autoria do presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB-GO, Jônathas Silva, foi publicado na edição desta terça-feira (19) do jornal O Popular.


Ao ouvir o discurso do desembargador José Lenar de Melo Bandeira, na inauguração do prédio do Fórum de Trindade, fazendo uma autêntica prestação de contas de tudo o que foi gasto na construção daquele novo Fórum, fiquei surpreso. Com a voz serena, firme, uma das características do bom magistrado, falou sobre o custo total daquela construção, do projeto arquitetônico ao acabamento, dos móveis, assim como dos computadores e acessórios adquiridos para equipar o novo prédio. Desceu a detalhes: custo por metro quadrado da obra, da instalação hidráulica, elétrica e, ainda, especificou o que foi gasto na aquisição do mobiliário e de todos os componentes do moderno sistema de informática ali instalado.


Na sua fala, o desembargador Lenar deixou claro o compromisso que a toga tem com a transparência pública, no âmbito da administração do Poder Judiciário goiano, afirmando que a licitação seguiu à risca o que dispõe a lei específica que rege essa matéria. Não houve fraude ou qualquer ajeitamento que mascarasse algum intuito escuso de escolher as empresas vencedoras para a construção da obra, para o fornecimento dos móveis ou do material de informática. Em linguagem bastante coloquial, asseverou que “não houve rolo no processo licitatório” – no caso de alguém da platéia lembrar o juiz Nicolau, o famoso “Lalau”.


Ao pronunciar tais palavras, o desembargador foi muito aplaudido pelos presentes àquela solenidade e, especialmente, pelos jurisdicionados. E acrescentou que o novo prédio do Fórum de Trindade era uma casa da justiça e, por isso, não era só dos magistrados, dos membros do Ministério Público, dos advogados, dos servidores, mas de todos os cidadãos, já que a sua construção e a compra de todos os seus equipamentos foram realizadas com dinheiro público, cuja procedência adveio dos recursos das taxas e dos tributos pagos pelos contribuintes.


Esse foi um pronunciamento institucional, a voz da toga falando à sociedade, prestando-lhe os esclarecimentos a que ela tem direito, reiterando o compromisso de todos os integrantes do Poder Judiciário goiano com a transparência da administração de um órgão de soberania do Estado, responsável pela prestação jurisdicional aos cidadãos.


Em um Estado patrimonialista, como é o Estado brasileiro, é raro o agente público agir com tanta transparência como fez o presidente do Tribunal de Justiça, José Lenar de Melo Bandeira. A cultura do patrimonialismo costuma converter em letra morta a exigência constitucional de que a administração pública tem de obedecer aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Essa perversa cultura fortalece outros princípios, tais como: a legalidade é a decisão da vontade do chefe; a impessoalidade está restrita ao grupo de amigos e familiares do dono do poder; a moralidade é o cumprimento de todas as ordens do chefe, visando beneficiar os seus apadrinhados; a publicidade é uma ofensa a decisões sigilosas, exigidas por razão de Estado e de um governo invisível; a eficiência é atributo dos que pertencem ao círculo daqueles amigos de copa e cozinha do chefe.


No plano teórico, toda essa perversidade cultural, que ignora e rejeita a transparência da administração pública, está bem enfocada nas obras de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala; Raymundo Faoro, Os Donos do Poder; Victor Nunes Leal, Coronelismo, Enxada e Voto; Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil. Não basta existir um referencial teórico consistente como o mencionado para criticar e mudar os velhos paradigmas do Estado patrimonialista e senzaleiro da República Federativa do Brasil. É preciso colocar tais princípios em ação, o que só pode ser feito pela vontade política e por uma mudança na qualidade dessa política.


Daí por que, lendo o Plano Estratégico de 2007/2009 e ouvindo a prestação de contas do chefe do Poder Judiciário goiano, como atentamente fiz em Trindade, lembrei-me de um ensaio de Norberto Bobbio, em que, ao discorrer sobre democracia e poder invisível, ele afirma: “Um dos lugares-comuns de todos os velhos e novos discursos sobre a democracia consiste em afirmar que ela é o governo do poder visível […]. É da natureza da democracia o fato de que nada pode permanecer confinado no espaço do mistério”.


Essa visibilidade que quer Bobbio pôde ser confirmada na fala do desembargador José Lenar, quando prestou contas aos cidadãos da construção do novo prédio do Fórum de Trindade. Ao prestar contas dos atos do Poder Judiciário, cumpriu o que determina a Constituição quando trata da administração pública. É um conforto para os cidadãos, que têm direito subjetivo público a um governo honesto, ouvir a voz transparente da toga, como ocorreu em Trindade na sessão aberta da inauguração de seu novo Fórum.


 


19/2 – 14h30

×