No último dia 28, o Conselho Federal da OAB protocolou, junto à Câmara dos Deputados, denúncia por prática de crimes de responsabilidade em face da presidente da República. O famoso pedido de impeachment.
A denúncia, baseada em razões estritamente jurídicas, imputa à presidente as seguintes condutas: a) pelo Acórdão TCU n° 2.461/2015, atrasos em pagamentos ao BNDES, CEF e FGTS para financiamento de políticas públicas, que importaram em distorções contábeis de R$ 106 bilhões, as conhecidas “pedaladas fiscais”; b) renúncias fiscais concedidas à Fifa, em violação à Lei de Responsabilidade Fiscal; c) utilização do cargo de presidente para nomear ministros de tribunais superiores previamente compromissados obstruir a Operação Lava Jato.
Ao oferecer a denúncia imputando à presidente a prática de crimes de responsabilidade, a OAB nada mais fez do que defender a Constituição e a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito. Postura rigorosamente técnica, sem viés político, partidário ou ideológico. E mais: a atuação do Conselho Federal foi democraticamente referendada por 24 das 27 seccionais e 26 das 27 bancadas estaduais do Conselho Pleno.
Infelizmente, a legítima atuação da OAB não tem sido respeitada. E não me refiro, aqui, à normal discordância democrática, natural e esperada, mas àquela que desborda para a deturpação, a agressão verbal e até física, como se viu quando do protocolo do pedido de impeachment. Algo que não se pode admitir.
Tentam deturpar o ato soberano e legítimo da OAB querendo pespegar o rótulo do golpismo. Nada mais inexato. O coup d´État consiste na quebra da legalidade, normalmente pela força das armas. A OAB deflagrou procedimento previsto na Constituição nos artigos 85 e 86. Procedimento este, aliás, recentemente regulamentado pelo Supremo. Ora bem: ou o STF regulamentou um golpe ou de golpe não se trata, mas de instituto legítimo.
Constroem uma obtusa analogia com 1964, situações históricas inconfundíveis: naquela oportunidade, os militares valeram-se das armas e derrubaram o governo Jango pela força. Com o Ato Institucional n. 01, cassaram centenas de mandatos; agora, as forças vivas da nação debatem o afastamento pela via constitucional e democrática, tanto que o Congresso está livre para discutir e à presidente são assegurados contraditório e ampla defesa. Comparar os dois momentos ou é fruto da intenção de confundir ou de absoluta ignorância histórica. Aliás, se se pretende buscar no passado momento similar, um mínimo de honestidade intelectual imporia a comparação com o impeachment de Collor em 1992.
Reclamam, por fim, que não haveria crime. A leitura do artigo 85 da CF/88 e da Lei 1.079/50, que define esses crimes, nos permite enxergar a caracterização de pelo menos três deles: 1) ao nomear ministro de tribunal superior para barrar a Lava Jato, a presidente opôs-se, diretamente e por fatos, ao livre exercício do Poder Judiciário, conduta tipificada no artigo 6º, número 5, que trata dos crimes contra o livre exercício dos poderes constitucionais; 2) ao realizar pedaladas, a presidente praticou crime contra a lei orçamentária previsto no artigo 10 da Lei 1.079/50, incidindo em praticamente todos os doze itens desse dispositivo; 3) ao nomear o ex-presidente Lula para cargo de ministro, para conferir-lhe foro privilegiado e poupá-lo da Lava Jato, a presidente incidiu em tentativa de crime contra o cumprimento das decisões judiciárias, conduta prevista no número 1 do artigo 12, que fala em impedir, por qualquer meio, o efeito dos atos, mandados ou decisões do Poder Judiciário.
Ou seja: impeachment não é golpe, 2016 não é 1964, e crime de responsabilidade há, sim, e mais de um. Isso sem levar em conta o teor das gravações interceptadas entre Lula e a presidente, pois aí teríamos ainda o crime do artigo 9, número 7, da mesma lei, que considera crime contra a probidade na administração pública proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.
Lúcio Flávio Siqueira de Paiva