Após audiência pública, OAB-GO vai encaminhar parecer técnico sobre projeto anticrime do Ministério da Justiça

Representantes da OAB-GO, Defensoria Pública do Estado de Goiás, Ministério Público de Goiás e Tribunal de Justiça de Goiás apontaram inúmeros dispositivos e aspectos que necessitam ser reavaliados ou retirados do projeto de lei 882/2019 – “pacote anticrime” apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em fevereiro – por apresentarem incoerências à Constituição Federal e inconsistências na redação. 

O evento foi realizado pela comissão especial designada a analisar o pacote de medidas e pela Escola Superior de Advocacia de Goiás (ESA-GO). Foram mediadores o diretor-tesoureiro e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO, Roberto Serra da Silva Maia, e o diretor-adjunto da ESA, Dyellber de Oliveira.

Foram abordados aspectos relacionados à ampliação do conceito de legítima defesa, alterações no rito processual, prisão após condenação em segunda instância e consequências da medida aos índices de encarceramento no Brasil.

Sobre o conceito de legítima defesa, o primeiro debatedor, o procurador de justiça Altamir Rodrigues Vieira Júnior, afirmou que “a ampliação do conceito é um dos pontos que pode trazer conflitos, principalmente no que diz respeito à atuação policial”. 

O advogado e professor de Direito Penal Thiago Siffermann reiterou a consequência “preocupante” que a ampliação do conceito traz. “De acordo com a redação do projeto, criou-se um subjetivismo. Foram acrescentadas situações de receio e medo, que são situações vagas, para caracterizar a legítima defesa”, avalia. 

Advocacia

No que diz respeito às consequências para a atuação profissional da advocacia, o presidente da Comissão de Direito Criminal da OAB-GO, Rogério Leal, afirmou que a alteração na lei 9.296/96, que regulamenta a prática de interceptações telefônicas, prevê uma ampliação “perigosa”, já que, se aprovado, o projeto permitirá, à Polícia Civil, o acesso a todo tipo de dados e informações – mensagens de aplicativos e dados salvos em sistema de nuvem, por exemplo. “Temos receio dessa amplitude porque podem ser interceptados outros tipos de arquivos do advogado e informações de outros clientes”, cita.

Para a advogada criminalista e ouvidora da Associação Nacional dos Advogados Criminalistas (Anacrim), Alessandra Nardini, a inclusão de dispositivo que aborda a prisão de condenados após julgamento em segunda instância “deriva de um Brasil sedento de justiça a qualquer preço”. “Nós, juristas, temos o dever de nos orientar pela Constituição Federal e não permitir que ela seja sumariamente desrespeitada. Essa proposta precisa ser analisada com cautela”, pondera. 

Alessandra também analisou a constitucionalidade do projeto em relação aos embargos infringentes e a mudança no Tribunal do Júri, para a qual o réu pode ser levado a julgamento desde a pronúncia.

Encarceramento

O desembargador  do TJGO Luiz Cláudio Veiga Braga, por sua vez, apontou que o “plea bargain”, instrumento jurídico que prevê a imposição de pena após confissão do crime e sem instauração de processo, “é o rompimento da tradição do processo brasileiro”. “Essa medida tem efeitos diretos sobre o encarceramento, inchando ainda mais um sistema que já está sobrecarregado”, analisa. 

O promotor de justiça Haroldo Caetano criticou a ausência de fundamentos constitucionais em grande parte dos dispositivos do projeto. “É uma proposta que briga com a Constituição Federal no quesito da presunção de inocência e no princípio da legalidade”. Ele também ressaltou o estímulo ao encarceramento em massa, “modelo de prender mais e por mais tempo, que traz péssimos resultados para a redução da violência e o combate à criminalidade”. “É um projeto que deveria ser repensado por inteiro”, conclui.

O defensor público de Goiás, Leonardo César Luiz Stutz, evidenciou que “é possível prever, com esse projeto, o aumento da população carcerária no Brasil” e o impacto financeiro isso resultará. Pontuou também a ausência de referências bibliográficas e científicas plausíveis para embasar os dados e as análises apresentadas na parte introdutória do projeto. “Lamentavelmente, o texto é cheio de folclores e quimeras. Isso prejudica e muito ter um debate complexo e consistente, que é o que estamos fazendo aqui”, considera.

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