A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO) realizou na noite desta quinta-feira (22/02) a solenidade histórica que marcou a diplomação dos três procuradores de prerrogativas.
Gabriela Gontijo Nascente, Frederico Manoel Sousa Álvares e Augusto de Paiva Siqueira foram selecionados em concurso público e compõem a Procuradoria Regional de Prerrogativas, órgão estabelecido para atuar, exclusivamente, na defesa dos direitos da advocacia.
Com a Procuradoria de Prerrogativas, a OAB-GO profissionaliza o combate às violações dos direitos de advogados e advogadas inscritos na seccional goiana da Ordem em Goiás. Em discurso, o presidente Lúcio Flávio de Paiva destacou o momento histórico da cerimônia. “Nesse nível de profissionalismo e estrutura, trata-se de modelo único em todo o Brasil”, disse.
“Vivemos, pois, uma noite que marca o início de uma nova era na defesa das prerrogativas profissionais”, celebrou.
Os três procuradores atuarão, exclusivamente, para atender a advocacia e acompanhar processos judiciais relacionados à violação de prerrogativas. Dessa forma, estão impedidos de exercer advocacia própria, tendo como únicos clientes os advogados e as advogadas em Goiás. “A advocacia de Goiás espera muito do trabalho de vocês. Espera dedicação, acolhimento, diligência e respostas rápidas para as demandas”, afirmou Lúcio Flávio.
O presidente da Ordem também aconselhou os novos procuradores. “Lutem pela advocacia de Goiás, sempre e incessantemente. Lutem nos tribunais, nas delegacias, nos presídios e nas salas de audiência; nas repartições públicas. Lutem pela dignidade e honra de nossa profissão”, reafirmou.
Os três procuradores de prerrogativas atuam em conjunto com a Procuradoria Jurídica da OAB-GO e a Comissão de Direitos e Prerrogativas (CDP), cujos membros realizam o trabalho de forma voluntária e simultâneo às próprias rotinas da advocacia.
Discurso de Lúcio Flávio na Cerimônia de Posse dos Procuradores de Prerrogativas da OAB/GO
Abro aspas:
“Rio de Janeiro, 5 de abril de 1937
Exmo. Sr. Dr. Raul Machado, Juiz do Tribunal de Segurança Nacional
HERÁCLITO FONTOURA SOBRAL PINTO, advogado exofficio de LUIZ CARLOS PRESTES, vem expor a requerer a Vossa Excelência:
Na última visita que o Suplicante fez ao seu cliente supranominado, o comando da Polícia Especial, cumprindo ordens de seus superiores hierárquicos, não permitiu que essa visita se realizasse sem a presença, no mesmo compartimento, de uma praça que acompanhasse todo o desenrolar da conversa.
Não se concebe, MM Juiz, maior gravame, do que este, à dignidade da nobre e honrosa profissão de advogado. Formais e categóricas são as tradições da advocacia no que se refere ao livre entendimento entre o cliente, detido nas prisões de Estado, e o seu patrono. (…)
É evidente, assim, que V. Exa. Precisa tomar providência urgente que assegure ao Suplicante a sua livre comunicação com LUIZ CARLOS PRESTES.
Não pode o Suplicante admitir que seja criado qualquer embaraço ao exercício de seus deveres profissionais. Ou se lhe garante efetivo entendimento livre com seus clientes, ou o
Suplicante se verá forçado a recorrer aos meios que o sistema jurídico brasileiro lhe faculta, para tornar real uma liberdade de defesa que, inicialmente, foi garantida ao Suplicante, mas que neste momento, já não mais existe.
Pede deferimento.
H. F. SOBRAL PINTO.
Rio de Janeiro, 5 de maio de 1937(novo requerimento)
Sr. Comandante (…)
Não estão aqui em jogo as nossas pessoas ou os nossos sentimentos privados. Lamentáveis acontecimentos como os de ontem têm significação muito mais alta. O que eles indicam transpondo nossas pequenas individualidades, é que o próprio Governo não chega a perceber que está a destruir com as suas próprias mãos a estrutura jurídica sobre a qual assenta a sua autoridade.
Modesto obreiro do reinado do Direito no seio da sociedade brasileira, o Suplicante, que simboliza, nesta hora grave as prerrogativas da DEFESA, austera e digna, vem manifestar a Vossa Excelência com a devida vênia, a sua desaprovação a tudo quanto se vem fazendo para impedir o livre entendimento entre o acusado LUIZ CARLOS PRESTES e seu defensor exofficio(…).
H. F. SOBRAL PINTO”
Fecho aspas.
81 anos após os veementes protestos de SOBRAL PINTO contra as violações às suas prerrogativas profissionais de ADVOGADO, cá estamos reunidos em sessão solene de posse dos Procuradores de Prerrogativas da OAB/GO.
Nesses 81 anos, muita coisa aconteceu. As mudanças pelas quais passaram o Brasil e o mundo foram profundas: uma guerra mundial, o colapso do comunismo e a queda da cortina de ferro, com a vitória das democracias liberais; no Brasil, duas ditaduras (uma civil e outra militar), a redemocratização, uma nova Constituição e novas instituições… Entretanto, apesar de tantas e tão profundas mudanças, a advocacia brasileira ainda sofre com a chaga da época de SOBRAL PINTO: a constante e reiterada violação de suas prerrogativas profissionais.
Pergunto, meus caros colegas: Por que será?
Arrisco apontar algumas razões.
Primeiro: somos nós, a advocacia, a arrostar o poder estatal; balizamos a sua atuação; combatemos o seu abuso. Não por acaso, os mais autoritários detentores de poder, ao longo da história, perseguiram e tentaram calar a advocacia. NAPOLEÃO fechou a Ordem dos Advogados francesa e disse que se dele dependesse, mandaria cortar a língua de todos os advogados, antes que eles as usassem contra o governo; o regime nazista proibiu os advogados judeus de exercerem a profissão; o próprio SOBRAL PINTO foi preso pela ditadura militar, aqui em Goiânia, em 1968, quando se preparava para paraninfar a turma de formandos da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás.
Somos nós que vigiamos os poderosos. Daí o constante atrito e a constante violação das prerrogativas profissionais.
Segundo: o pouco apreço pelo direito de defesa. E aqui refiro-me não apenas à defesa criminal, mas à defesa dos direitos subjetivos em sentido lato. Sendo inerte a jurisdição, como tutelar direitos senão mediante a provocação do advogado? Sendo imparcial o juiz, como chegar à síntese que é a sentença sem que antes as partes lhe apresentem a tese e a antítese, por intermédio de seus advogados?
Terceiro: o próprio desconhecimento dos agentes públicos acerca do que são as prerrogativas profissionais e sua função. Não se trata de privilégio do advogado, mas garantia do cidadão: na relação que SOBRAL PINTO fez ao Juiz Raul Machado, lida no início, a quem sobretudo assistia o direito à entrevista reservada? PRESTES ou SOBRAL PINTO? Quem estava preso? Quem poderia estar a sofrer tortura? Quem precisava se defender de uma acusação? PRESTES ou SOBRAL PINTO?
Vê-se, pois, que, antes de pertencer ao advogado, a prerrogativa pertence à cidadania.
Mas, como dito – e em que pese a ululante importância das prerrogativas profissionais -, 81 anos após os protestos de SOBRAL PINTO, a advocacia brasileira e goiana ainda sofrem com esse mal.
Que fazer, se não reagir?
E a reação da OAB/GO vem na forma da profissionalização da defesa das prerrogativas da advocacia goiana, que passa a contar com uma Procuradoria exclusivamente criada para tal fim:
(i) 3 procuradores aprovados em disputado concurso público de provas e títulos, que contou com mais de 600 candidatos e provas objetiva, subjetiva e oral;
(ii) 3 viaturas destinadas ao deslocamento dos procuradores em todo o Estado;
(iii) Estrutura física própria e corpo de auxiliares administrativos para melhor atender à advocacia goiana.
Afirmo: nesse nível de profissionalismo e estrutura, trata-se de modelo único em todo o Brasil!
Vivemos, pois, uma noite que marca o início de uma nova era na defesa das prerrogativas profissionais.
Encerro meu discurso dirigindo algumas palavras aos ora empossados Procuradores de Prerrogativas da OAB/GO.
Drs. Gabriela Gontijo Nascente, Frederico Manoel Sousa Álvares e Augusto de Paiva Siqueira (e aqui faço um parêntese: não é meu parente).
A advocacia de Goiás espera muito do trabalho de vocês. Espera dedicação, acolhimento, diligência e respostas rápidas para as demandas.
E eu, hoje Presidente da Ordem e que outrora sonhei com esse dia, deixo a vocês as seguintes palavras, inspiradas, todas, no maior estadista do século XX, Sir WINSTON CHURCHILL:
CORAGEM: essa principal qualidade humana, porque é ela quem garante todas as demais.
COMPROMISSO: de vocês espero absoluta dedicação à causa; espero nada menos que sangue, trabalho, suor e lágrimas na defesa das prerrogativas da advocacia goiana
LUTA: lutem pela advocacia de Goiás, sempre e incessantemente. Lutem nos tribunais, lutem nas delegacias, lutem nos presídios e nas salas de audiência; lutem nas repartições públicas. Lutem pela dignidade e honra de nossa profissão.
Essa a missão de vocês! Executem-na com excelência!
Está entregue a Procuradoria de Prerrogativas! VIVA A ADVOCACIA DE GOIÁS!
Lúcio Flávio Siqueira de Paiva
Presidente da OAB/GO