O artigo "O presidente e seu castelo", de autoria do presidente da OAB-GO, Henrique Tibúrcio, foi publicado na edição desta quinta-feira (29), do jornal Diário da Manhã. Confira:
A classe dos advogados é, sem sombra de dúvida, a maior usuária dos serviços do Poder Judiciário. E, óbvio, não o faz por ou para si, mas em nome do cidadão que representa. Em razão disso, toda e qualquer mudança no Judiciário afeta sensivelmente a classe, o que recomenda que sejamos ouvidos sempre que alguma alteração relevante esteja para ser implementada.
Infelizmente, o presidente do Tribunal de Justiça não pensa assim. E não o faz somente em relação à OAB-GO ou à advocacia como um todo. Não dialoga com o Ministério Público nem com os próprios servidores, o que precipitou a greve que aflige a Justiça goiana. Igualmente, ignora solenemente a imprensa e até mesmo os seus pares, magistrados que têm tido enormes dificuldades para serem ouvidos.
Já é voz comum nos corredores dos Fóruns espalhados por todo o Estado, a forma absolutista com que tem conduzido o poder Judiciário, tomando decisões inopinadamente e sustentando-as apenas para afirmação de sua autoridade.
Recentemente, implantou a redução do horário, por ato unilateral e discricionário, sem preparação prévia, período de adaptação ou mesmo ouvindo os usuários dos serviços, a advocacia, Ministério Público e a população. Açodadamente interferiu na vida de dezenas de milhares de pessoas que diariamente precisam dos serviços do poder Judiciário ou que dele fazem parte.
Quer fazer com que todos, advogados, promotores, magistrados e servidores dobrem a espinha ao seu jugo, tentando adaptar suas rotinas de vida para desvencilharem-se de situações difíceis, como alterar o horário da escola dos filhos, adaptar o organismo para almoçar às 10 horas da manhã, entre outras tantas e nefastas ocorrências. Isso sem falar nas intermináveis filas que se formam agora no atendimento das escrivanias, na falta de estacionamento que enfrentam todos no período da tarde, único em que o poder Judiciário funciona.
É inconcebível que um dos poderes da República, justamente aquele que mais demanda atendimento pela população, só funcione meio período. O povo não precisa de meia Justiça. Precisa, na verdade, é de Justiça e meia, dado o índice altíssimo de congestionamento de processos atestado recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça.
Quando a situação está a exigir solução para desafogar os magistrados que, diga-se, trabalham muito em sua absoluta maioria, o presidente Vítor Lenza desgarra-se do senso comum e, virando a face para trás, segue o caminho inverso, impondo uma sensível redução no período de expediente.
Precisa-se, sim, prover as mais de 80 comarcas que estão sem Juiz, sobrecarregando absurdamente os demais, que têm de se responsabilizar por até 14 mil processos de duas ou três comarcas distintas. Precisa-se, sim, munir o Judiciário de pessoal efetivo e qualificado para dar o necessário suporte ao andamento processual, dando cumprimento célere às decisões judiciais.
Precisa-se, sim, de sensibilidade humana, para não ficar indiferente àquelas pessoas que, vindas dos mais distantes rincões deste grandioso Estado, sentam-se à beira da calçada desde a alvorada, sem ter os necessários recursos para alimentarem-se e esperam o meio-dia para que o Judiciário lhe faça o favor de abrir-lhe as portas.
O mais grave, porém, é saber que a ideia inicial mostrou-se um erro e, ainda assim, insistir nesse erro para não aparentar pequenez, justamente quando, a vida ensina, a grandeza repousa na humildade. E o assunto chega ao máximo do surreal quando denota que se trata de patente ilegalidade.
Inimaginável ter partido do presidente do Tribunal de Justiça goiano o ato de revogar o Código de Organização Judiciária, uma Lei Estadual, por meio de um decreto. Tal fato, porém, já foi objeto de mandado de segurança a ser apreciado pela Corte Especial nas próximas semanas. Temos crença na sensibilidade e senso de Justiça dos demais desembargadores daquele colegiado.
O que o presidente Vítor Lenza precisa se dar conta é de que a advocacia não é um inimigo do Judiciário a ser batido. Não se está disputando nada, não é uma afirmação de força. Ao contrário. Embora com algumas saudáveis e democráticas divergências, sempre postas com respeito de lado a lado, temos um histórico de parceria e apoio mútuo que Sua Excelência devia ao menos preservar.
A OAB-GO tem hoje quase 20 funcionários à disposição do Judiciário, suprindo lacunas que, por um motivo ou outro, o TJ não podia fornecer ao jurisdicionado ou à advocacia. Mantemos, ainda, a expensas da OAB-GO, embora com um orçamento quase cem vezes menor que o do Judiciário, a extensão do protocolo judicial integrando o Fórum central ao do Jardim Goiás, para facilitar o exercício da advocacia. Temos espalhados por todo o Estado equipamentos de digitalização de documentos adquiridos pela OAB-GO, mesmo quando a lei expressa que essa responsabilidade é do Tribunal de Justiça.
Recentemente, nos comprometemos a disponibilizar ao Fórum de Santa Helena de Goiás um microcomputador e uma impressora, atendendo pedido das magistradas locais, para que os advogados possam retirar os extratos de andamento processual, já que, do contrário, o Tribunal levaria alguns meses para atender a solicitação.
Isso é, presidente, parceria, apoio, reconhecimento das dificuldades alheias e respeito por elas. Isso é, presidente Vítor Lenza, entender que estamos todos no mesmo barco, e que desejamos ambos o mesmo ideal, uma Justiça célere, eficiente e justa. Isso é, presidente, disposição real para ouvir e ponderar.
Daí o estranhamente que nos acomete ao ver como Vossa Excelência tratou o ofício remetido pela OAB-GO requerendo a suspensão dos prazos em virtude da greve dos servidores, que tem, sim, impedido em muitos locais o protocolo de petições, fundamentando a sua decisão denegatória no argumento, ressoando a galhofa, de que não tem poderes para suspender prazos. Isso poucos dias após Vossa Excelência ter suspendido todos os prazos em virtude do mau funcionamento do site do Tribunal de Justiça.
Lamentavelmente e desnecessariamente tal decisão ensejará recurso ao Órgão Especial, apenas para que aprecie pedido tão comezinho e de fácil deslinde. O presidente Lenza tem construído em torno de si um castelo cada vez mais impenetrável, mais solitário e mais refratário a qualquer aproximação, ainda que de gente amigável. Espera-se somente que um dia não se veja preso em sua torre.
Henrique Tibúrcio é presidente da OAB-GO