O artigo "Desafios para Dilma", de autoria do presidente da OAB-GO, Henrique Tibúrcio, foi publicado na edição de domingo (26) do jornal O Popular.
O Brasil vive uma situação inédita desde 1500: terá uma mulher no comando do Executivo. Dilma Vana Rousseff foi eleita presidente em 31 de outubro e assumirá o cargo mais importante da República em 1º de janeiro, com algumas questões pendentes que merecem considerações.
Galgou o posto de candidata do governo, embora oriunda de um partido que não o dos Trabalhadores (PT) – ela veio, em sua raiz, do Partido Democrático Trabalhista (PDT) – e ajustou-se às normas do PT. Ganhou a confiança do presidente atual, Luiz Inácio Lula da Silva, e agiu conforme convinha às diretrizes do Plano de Metas do Governo, tornando-se, segundo o presidente Lula, com algum exagero, a "Mãe do PAC" (Programa de Aceleração do Crescimento). Mas, se a presidente eleita, em seu primeiro discurso buscou dizer que não é exatamente o clone ideológico do atual presidente, seus recentes anúncios de quem serão seus auxiliares indicam um caminho oposto, bastante afinado com o governo que sai.
Se optou por não manter Henrique Meirelles no Banco Central (BC), um dos principais responsáveis pelo controle da inflação, mesmo à custa de juros relativamente altos para conter o consumo desvairado incentivado pelo governo, indicou para o cargo alguém da mesma linha, integrante da equipe de Meirelles – Alexandre Tombinni. Manteve ainda no Ministério da Fazenda o economista Guido Mantega, um dos maiores incentivadores do consumo sem restrições. Mantega bancou a redução e mesmo a isenção do pagamento de impostos sobre alguns itens, talvez calcado na expectativa de que os produtos eximidos das taxas compensassem, na escala, os ganhos aos cofres públicos, sem abrir mão de receitas.
Dilma não é Lula, mas a criatura lembra muito o seu criador. Daí é de se perguntar: o que aguarda o Brasil sob a batuta da presidente eleita? Cabem aqui algumas ponderações: o Senado, via relatora do Orçamento, chegou a anunciar corte de R$ 3,3 bilhões das obras do PAC. Lula bateu o pé e disse que do PAC não se corta um centavo sequer, porque sob sua gestão ainda está o poder de decisão. Sobre essa matéria, terá Dilma, a "Mãe do PAC", força suficiente para enterrar de vez essa discussão, que pode se alongar até a próxima legislatura? A "Mãe do PAC" realmente gostaria de cortar na própria carne para que o Orçamento se ajuste à realidade vindoura que se descortinará a partir de 2011?
Além disso, Dilma tem inúmeros desafios pela frente. Por exemplo: conseguirá ela dotar o Brasil de infraestrutura necessária eficiente para receber a Copa do Mundo de 2014 em 12 cidades brasileiras e os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro? Se não, como assumir o fracasso de não lograr elevar a autoestima brasileira, e em especial a do cidadão fluminense, que já anda tão baixa?
Outro desafio de Dilma Rousseff será provar que a política externa brasileira não continuará se alinhando unicamente a velhos dogmas ideológicos, segundo os quais são amigos do Brasil aqueles que são inimigos dos Estados Unidos, e que não se presta a construir apenas a candidatura de Lula a uma vaga na eventual reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Mais do que relacionar-se bem com os países geralmente excluídos das grandes discussões mundiais, é necessário deixar claro ao mundo que laços cordiais com a Venezuela, Cuba, Equador, Bolívia, Irã, Líbia e Paraguai são necessários por um lado – o comercial – mas que questões como respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente devem ter igual ou maior peso na hora de escolher os nossos parceiros.
Por fim, o que parece a maior de todas as batalhas: resistir às investidas daqueles que acreditam que respeito às garantias individuais, a princípios consagrados na Carta Magna, como liberdade de expressão, de imprensa, da ampla defesa, são só um entrave à sua permanência no poder. Dilma se forjou, e assim se apresenta, na história da luta contra a ditadura militar. Se quer fazer jus ao seu passado e honrar o seu futuro, é imperioso que não se desvie um milímetro sequer dessas premissas. Torçamos para que quem "lutou pelas liberdades plenas da sociedade", não cerceie o direito da sociedade ser informada livremente, e tampouco se indigne contra aqueles que, pontualmente, vierem a apontar-lhe suspeitas, denúncias, desmandos e coisas afins que possam ocorrer em seu governo.