Artigo – O Quinto não é o problema

A montanha russa de decisões judiciais envolvendo a tentativa de libertação do ex-presidente Lula, no fatídico domingo em que a Justiça brasileira se autoimolou perante a nação, provocou uma reação no mínimo curiosa: associações de magistrados publicaram severas notas de repúdio colocando a culpa do constrangedor espetáculo no instituto do quinto constitucional.

Ser contra esse ou qualquer outro instituto é normal; ninguém é obrigado a gostar do quinto constitucional. Mas colocar a culpa do ocorrido na conta exclusiva do quinto mostra a profunda dificuldade dessas associações de identificarem o verdadeiro problema que acomete a justiça do País.

O Judiciário é o único Poder da república que não retira sua legitimidade do voto popular; o ingresso não se dá por eleição, mas por mérito e técnica, o que é bom pois é inimaginável juízes que julguem de olho no voto. Daí que a legitimidade desse Poder deve ser extraída de outras fontes: a imparcialidade dos julgamentos e, sobretudo, a observância estrita da lei produzida pelo legislativo, a gerar a necessária segurança jurídica para a sociedade.

E é aqui que reside o problema: setores cada vez mais amplos do Judiciário brasileiro, a começar pelo próprio STF, têm demonstrado crescente desprezo pela lei; não satisfeitos em cumprir sua função precípua que consiste em aplicar a legislação oriunda do poder legislativo – único que, em razão do voto, tem legitimidade democrática para tanto -, arvoram-se cada vez mais em criar a sua própria lei, postura voluntarista conhecida como ativismo judicial.

O resultado é insegurança jurídica e erraticidade decisória, pois ao invés da aplicação de uma lei única para todos, o que se tem é a prevalência das preferências pessoais dos julgadores, ou seja, a sua ideologia – e não a da lei -, a sua moral – e não a da lei – e assim por diante.

Pois foi exatamente isso que ocorreu no domingo passado: uma sucessão impressionante de voluntarismos, em que prevaleceram as preferências e inclinações pessoais dos juízes envolvidos. Um show de ativismo que não escolheu origem, pois nele mergulharam juízes de carreira e do quinto. Retrato fiel de um mal que cada vez mais habita o dia a dia da justiça do País.

É o quinto o problema? Não. O mal é o ativismo que está a corroer a segurança jurídica e solapar a legitimidade do Judiciário brasileiro. Isso, sim, é digno de nota.

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