Discurso – Solenidade de posse da nova diretoria do TJGO (2019/2020)

Senhoras e Senhores,

A fala da OAB nessa importante cerimônia será inspirada e conduzida pelo sábio pensamento de um dos maiores advogados e juristas que o mundo produziu nos últimos cem anos: PIERO CALAMANDREI. Não exagero ao dizer que ele, mais do que qualquer outro, captou, em sua mais elevada essência, o dever ser da relação entre a magistratura e a advocacia.

Sobre a justiça e a magistratura, ensina o mestre florentino:

“Para encontrar a justiça, é necessário ser-lhe fiel. Ela, como todas as divindades, só se manifesta a quem nela crê.”

Por sua vez,

“O juiz é o direito feito homem. Só desse homem posso esperar, na vida prática, aquela tutela que em abstrato a lei me promete”.

Afirmo, Senhoras e Senhores, que a advocacia goiana confia na justiça prestada pelo Poder Judiciário de Goiás; é-lhe fiel e vê, na figura de cada juiz e juíza deste Estado, o direito feito homem e mulher. Se assim não fosse, a justiça, divindade que é, não se manifestaria em nossos processos. Cremos e confiamos. Na justiça e nos julgadores. É nosso ato de fé.

Mas é preciso reconhecer que a justiça, essa divindade por todos adorada, só se manifesta, só se materializa quando o advogado trabalha, pois as atividades de impulso e iniciativa do processo não poderiam ser tomadas pelo magistrado, sob pena de comprometimento de sua indispensável imparcialidade. É a atividade eminentemente advocatícia – que luta, que pede, que contradita, que polemiza -, a que permite que o juiz permaneça acima das paixões e das brigas, e possa julgar com isenção.

Em suma: não há justiça sem magistratura; mas também não há justiça sem advocacia. E é por isso que CALAMANDREI pontuava:

“(…) os juízes deveriam ser os mais incansáveis defensores da advocacia, pois só onde os advogados são independentes os juízes podem ser imparciais; só onde os advogados são respeitados os juízes são honrados; e, onde se desacredita a advocacia, a primeira a ser atingida é a dignidade dos magistrados e muito mais angustiante se torna sua missão de justiça”.

É claro que entre essas profissões irmãs há atritos e conflitos. Afinal, que irmãos não se desentendem? A magistratura tem seus erros e acertos; a advocacia tem seus erros e acertos – e isso é absolutamente natural, pois ambas as profissões são compostas de homens e mulheres normais, cheios de defeitos e qualidades -. e falíveis portanto. Daí a necessidade de compreensão entre uns e outros. É o que nos ensina o mestre florentino:

“Seria preciso que todo advogado fosse juiz dois meses por ano e que todo juiz, dois meses por ano, fosse advogado. Assim aprenderiam a se compreender e a se desculpar; e se estimariam mais”.

Essa compreensão e estima, enaltecidas por CALAMANDREI, não querem significar que magistratura e advocacia tenham que concordar em tudo e sempre. Absolutamente. A divergência e a crítica são inerentes à democracia, e é partir delas que se formam os consensos necessários ao avanço das instituições da nação. Maturidade e resiliência são, pois, essenciais quando se vive em um regime democrático.

É assim que devem conviver a beca e a toga, a OAB e o Judiciário, cada um na sua função, tendo nos homens e mulheres que as compõem a encarnação de duas divinas entidades: a Justiça, no caso da magistratura, e a sagrada defesa do cidadão, no caso da advocacia.

Presidente GILBERTO MARQUES FILHO, receba meu agradecimento pelo esforço, sempre constante durante vosso mandato, de resolver os problemas que afligem a advocacia e a cidadania ainda muito carente de justiça em nosso Estado. Meus cumprimentos pelas obras de reforma deste edifício, que dignificam o Judiciário e por conseguinte dignificam o verdadeiro dono de tudo isso: o povo goiano. Vossa Excelência é um homem bom, humilde, honesto, trabalhador e que encerra uma gestão exitosa. Nosso reconhecimento e admiração.

Desembargador WALTER CARLOS LEMES, a OAB e a advocacia de Goiás desejam a Vossa Excelência e a seus companheiros de direção – Desembargadores Nicomedes Domingos Borges e Kisleu Dias Maciel Filho – sucesso na gestão que ora se inicia. A missão principal está claramente posta: melhorar a justiça distribuída ao povo de Goiás. A OAB espera que Vossa Excelência, como gestor, tenha a sensibilidade de investir os recursos disponíveis no setor mais carente do judiciário goiano: o primeiro grau de jurisdição: precisamos de mais juízes – há comarcas em que a magistratura está afogada pelo excesso de processos, como ocorre em Caldas Novas, Rio Verde, Trindade entre várias outras; os juízes precisam de mais estrutura e assessoria; os servidores precisam de valorização e treinamento. Reitero: a OAB espera de Vossa Excelência a sensibilidade para fazer esses investimentos. O povo goiano agradecerá.

Termino o discurso como comecei: pelas mãos e pensamentos de CALAMANDREI, que em capítulo dedicado ao amor dos advogados pelos juízes e vice-versa, assevera:

“Não se acredite no advogado que, depois de perder uma causa, faz-se de furioso com os juízes, dá mostra de odiá-los e desprezá-los. Passado o breve mau humor, fugidio como os ciúmes dos namorados, o coração do advogado é todo para a Corte, cruz e delícia de sua vida”.

Que a Providência Divina ilumine a nova gestão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás!

Lúcio Flávio Siqueira de Paiva
Presidente da OAB/GO

×