Sobre Homens e Porcos, por Henrique Tibúrcio

01/04/2013 Artigo, Notícias
Leia artigo do presidente da OAB-GO, Henrique Tibúrcio, publicado na edição deste domingo (31) do jornal O Popular.
“Uma das piores características do ser humano, entre tantas (boas e más), sempre me pareceu ser sua enorme capacidade em desumanizar outros seres humanos, quando lhes convém. Talvez isso tenha permitido a preservação da nossa espécie nos primórdios da civilização, mas hoje é a face mais sombria do comportamento humano. Este “recurso” do nosso cérebro, por assim dizer, tem sido muito bem utilizado em guerras, por exemplo. É ele que faz que o príncipe Harry da Inglaterra, afirme que matar afegãos em missões de combate é divertido como jogar videogame. Desumanizar o semelhante, ainda que inimigo, torna mais fácil aniquilá-lo, sem compaixão.
Lamentavelmente, vemos essa situação quase que cotidianamente, e muito mais próximas de nós do que nos damos conta. O mendigo que perambula pelas ruas e é sistematicamente morto nelas; o índio que é queimado vivo, por ser índio; a prostituta que se vende porque quer e, portanto não é assunto nosso; o menino que é consumido pelo crack e que só pensamos em como tirá-lo das nossas vistas, defendendo internações compulsórias como medida mais de higienização da nossa cidade do que terapêutica; os encarcerados, lixo humano que se amontoa em locais pútridos, que parece ter altos muros mais para impedir nossa visão lá de dentro do que contra fugas.
Nesse quesito, mesmo após a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, evoluímos pouco. Ainda não conseguimos nos estarrecer com tantos atentados à dignidade humana, porque não os vemos como humanos. Todos os exemplos acima são contundentes neste sentido, mas há um em especial que me causa assombro cada vez a que assisto. É a forma como são transportados os detidos ou presos pela polícia. Não é raro assistirmos suspeitos serem algemados e jogados em porta-malas de veículos populares que fazem as vezes de viatura. Duas, três, até quatro pessoas peadas pelas “patas” transportadas no maleiro de carros absolutamente inapropriados. Não são gente, são porcos e são tratados assim. Pior, por agentes do estado que deveriam lhes garantir o mínimo de dignidade.
Nem se fale quantas leis são afrontadas nesses episódios: o Código de Trânsito, que proíbe transportar pessoas nos porta-malas, sem cinto de segurança; o risco que correm em caso de acidentes; o princípio da dignidade humana, expressamente previsto no texto constitucional; mas, principalmente, nos afronta enquanto homens, enquanto semelhantes.
Muitos – a maioria talvez – hão de dizer que são bandidos e merecem o tratamento que têm. Isso é o que mais assusta, pois é a corroboração do que é dito aqui. Passamos a decidir quem é gente e quem não é. Nem todos são criminosos, mas ainda que fossem, não deixaram de ser humanos. Quando os relegamos à condição de porcos, aí sim nos igualamos: viramos todos porcos.”
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