Leia artigo do conselheiro seccional da OAB-GO Marcelo Feitosa de Paula Dias, publicado domingo (27) no “Jornal Opção”.
“O Supremo Tribunal Federal (STF) vai ter de decidir se o novo Código Florestal está ou não de acordo com a Constituição brasileira. A procuradora-geral da República interina, Sandra Cureau, encaminhou à corte três ações diretas de inconstitucionalidade ao órgão questionando artigos da lei que foi aprovada no ano passado pelo Congresso Nacional, conforme veiculou o jornal Estadão (ed. 22/01).
Dentre os principais pontos salientados pelo Ministério Público Federal (MPF) como invocadores da jurisdição constitucional, destacam-se, em especial, os que se referem às áreas de preservação permanente e reserva legal. Além destes, são discutidos outros aspectos polêmicos criados pelo texto, como o uso agrícola de várzeas e a consolidação das áreas que foram desmatadas antes das modificações dos percentuais de reserva legal. Ao todo, 23 pontos da nova lei foram considerados dispositivos incompatíveis com a ordem jurídica constitucional.
Diante disso, exsurge a indagação: o novo Código Florestal brasileiro é realmente inconstitucional?
Com todo o respeito e com toda a minha admiração pelo parquet brasileiro, as argumentações levadas a cabo nas ações constitucionais não merecem prosperar na sua integralidade. Senão vejamos.
O novo código, sem sombra de dúvidas, foi alvo de contendas aguerridas entre diversos segmentos da sociedade. Nada mais natural. O antigo Código Florestal brasileiro ficou em vigor por 47 anos e foi alvo de inúmeras modificações ao longo de sua existência, razão pela qual alguns admitiam que a velha lei consagrava na sua originalidade apenas a sua numeração (lei 4771/65).
Certo é que essa nova legislação está longe de atingir a perfeição. Pelo contrário. Trata-se de uma lei que, se somadas todas as suas inovações jurídicas, os aspectos positivos superam em muito os seus pontos negativos, cuja alma foi a de revogar a antiga legislação ambiental, conferindo efetividade aos novos dispositivos criados, trazendo para a legalidade 90% dos produtores rurais do Brasil, visando valorização das atividades agrárias com sustentabilidade em plena harmonia com o ordenamento jurídico constitucional em vigor.
A Constituição da República Federativa do Brasil se preocupou na sua essência com a garantia de valores capazes de oferecer a sobrevivência plena de nosso Estado Democrático de Direito, conferindo valor jurídico fundamental à dignidade humana, à cidadania e à nossa inabalável soberania.
A par disso, consagrou como objetivo fundamental de Estado a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; e a erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais. Além disso, preconizou como uma garantia fundamental de que a lei não prejudicaria o direito adquirido, fomentando a implementação de uma ordem econômica fundada na defesa do meio ambiente, além de criar de forma pioneira um capítulo próprio destinado à preservação do meio ambiente.
Não se pode olvidar que a recente lei 12.651/12 foi fruto de discussões por quase 13 anos no Congresso nacional. O seu relator, então Deputado Aldo Rebelo (PCdoB), peregrinou o país por quase dois anos em busca de discussões com ribeirinhos, religiosos, agricultores pequenos, médios, grandes, industriais e com todos os segmentos da sociedade civil e do Poder público.
O objetivo era a construção de um projeto de lei que conseguisse, concomitantemente, resolver os gargalos ambientais brasileiros por meio de uma legislação cujo maior atributo fosse a efetividade de seus comandos e o respeito ao meio ambiente.
As discussões nas casas políticas do Congresso Nacional e suas comissões foram acirradas em busca da construção de mecanismos legais e políticos que atendessem os dogmas jurídicos ambientais constitucionais e os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. O controle político de constitucionalidade realizou-se de forma plena, tendo desembocado, logo na edição da lei, com vetos pontuais realizados pelo Executivo e na medida provisória de n. 571.
Sucede, entretanto, “como o processo legislativo, especialmente nas democracias parlamentares, tem de vencer numerosas resistências para funcionar, o Direito só dificilmente se pode adaptar, num tal sistema, às circunstâncias da vida em constante mutação”, conforme afirma Hans Kelsen. Eis aí exatamente o maior problema deste novo Código Florestal: adaptar-se no sistema jurídico brasileiro pelas circunstâncias ambientais em constante mutação.
O Direito ambiental moderno desenvolveu-se na busca pelos princípios constitucionais da proteção da biodiversidade e da participação democrática. Prova disso é que, logo na parte introdutória, o novo Código Florestal consagra que a lei atenderá o compromisso soberano do Brasil com a preservação das suas florestas, tendo em vista o desenvolvimento sustentável. Além disso, destaca a proteção da biodiversidade e a criação e mobilização de incentivos econômicos para fomentar a preservação e recuperação da vegetação nativa para promover o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis.
É preciso, antes de tudo, o conhecimento prático da vida no campo e das agruras vivenciadas pelos produtores rurais para se entender a abrangência das normas ambientais. Não se pode perder de vista que o maior objetivo da lei é o atendimento da realidade social com vistas à obtenção de efetividade.
Por isso mesmo é que acreditamos que o STF, no exercício da sua novel missão de ser o guardião da Constituição Federal, irá pautar-se pelo desenvolvimento ecologicamente equilibrado da nação com o respeito que a agricultura, a pecuária e, sobretudo, a questão ambiental brasileiras merecem. Que seja declarado somente a inconstitucionalidade contida nas normas que criaram a “escadinha” a depender do tamanho das propriedades, haja vista que o meio ambiente por ser difuso e pertencer a toda humanidade, merece condições equânimes de conservação para todas as propriedades rurais existentes no território nacional.”