Carlos Marinho: “São recorrentes casos em que pacientes vão a óbito diante de demora da Justiça”

06/09/2011 Entrevista, Notícias

O presidente da Comissão de Direito Sanitário e Defesa do Direito à Saúde da OAB-GO, Carlos Wellington Silveira Marinho, é o entrevistado da semana do Portal da OAB-GO. Ele esclareceu dúvidas sobre planos de saúde, atuação da Justiça em casos relacionados ao Direito à Saúde e o papel do Estado nesse contexto. Confira:

Quando uma pessoa não tem condições de arcar com os medicamentos necessários para manter sua saúde, ela pode requerer esses medicamentos do Estado? De que forma ela pode fazer isso?
Da administração pública, de um modo geral. A Constituição Federal de 1988 prescreve em seu art. 6º e 196 a 200, a responsabilidade do Estado, devendo ser destacado que cada ente público, a saber, União, Estado, municípios e Distrito Federal, detêm suas parcelas de responsabilidade. Sem mencionar a hipótese de negativa de cobertura, se estivermos diante de planos de saúde, por exemplo. O que ocorre atualmente, a nosso ver, é um sem número de ações onde não é bem definido o pólo passivo, ou seja, o ente público responsável, havendo uma sobrecarga em alguns, a exemplo, principalmente, de estados e municípios.

Recentemente, o Decreto 7508/2011 trouxe mais claramente a responsabilidade de cada ente, definindo conceitos antes pouco debatidos, como assistência farmacêutica, integralidade, portas de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), centros de referências de Aids, saúde do trabalhador, saúde mental e seus serviços, por exemplo. Contudo, anteriormente ao mencionado decreto, já havia a Relação Nacional de Medicamentos (Rename), que enuncia o rol dos medicamentos dispensados pelos entes públicos, União, estados, municípios e DF, assim como a Política Nacional de Medicamentos. Especificamente para medicamentos classificados como especiais, a exemplo dos de uso contínuo para determinadas patologias, há um programa especial denominado Programa de Medicamentos Excepcionais, pelo qual o Ministério da Saúde adquire ou transfere recursos para que os estados adquiram esses medicamentos, o que pode ser feito junto às secretarias de saúde dos estados ou perante a Secretaria Municipal de Saúde do município de sua residência.

Quando há negativa do ente devidamente responsável, normalmente, as pessoas buscam o Ministério Público Estadual ou Federal, de acordo com a possibilidade ou facilidade de acesso de que disponham, visto que são os legitimados, segundo a Constituição, para pleitearem esses direitos. Contudo, o acesso via advogados especializados vem crescendo ultimamente, assim como por meio da Defensoria Pública e de grupos de apoio, associações de portadores.

Quais são os maiores problemas que o consumidor enfrenta com os planos de saúde?
Segundo levantamento feito nos órgãos de defesa, os maiores problemas enfrentados pelos clientes dos planos de saúde são, em sua maioria, decorrentes de inexecução de cláusulas contratuais, que, na maioria dos casos, geram práticas abusivas em relação ao consumidor. Neste diapasão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem tomado diversas decisões no sentido de manter o equilíbrio entre usuários e operadoras, mas são frequentes as reclamações e abertura de processos envolvendo negativa de cobertura, para o qual, o Judiciário, de um modo geral, vem reconhecendo que a recusa indevida à cobertura médica é causa de danos morais, já que “agrava o contexto de aflição psicológica e de angústia sofrido pelo segurado”, segundo a ministra do STJ Nancy Andrigui. Outro problema recorrente que os clientes têm enfrentado é relativo à limitação do tempo ou do valor do tratamento e internações. Ademais, há de ser lembrado um outro problema: a abusividade nos reajustes dos planos de saúde, sendo essa concentrada quando há mudança de faixa etária, especialmente se o segurado tem 60 anos ou mais.

O Judiciário é conhecido por sua morosidade. Nos casos relacionados à saúde, a resposta é mais rápida?
Infelizmente, em alguns casos, não. São recorrentes casos em que pacientes vão a óbito diante de demora na concessão de liminares ou outras medidas processuais cautelares, mas são situações isoladas. Contudo, após passada esta fase inicial, a tramitação do processo deveria ser mais rápida, o que nem sempre acontece. Uma opção que a Comissão de Direito Sanitário e Defesa do Direito à Saúde vem defendendo é a criação  de Câmaras Técnicas, que podem assessorar melhor o Judiciário a fim de que sejam esclarecidos pontos controversos levantados nas ações, a exemplo do adotado pelo Ministério Público do Estado de Goiás e também pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Na última reunião da comissão, foi levantada a defesa dessa prática, o que será encaminhado ao Tribunal de Justiça e à própria Justiça Federal, visto que a União é frequentemente acionada em casos de negativa de atendimento ou dispensa de medicamentos.

No caso de negativa de cobertura, o paciente pode pleitear a condenação do plano de saúde por danos morais?
Sim. Normalmente os pacientes vêm tomando esta iniciativa, conforme entendimento dominante do próprio STJ, nas palavras da ministra Nancy Aldigui, que disse que a negativa de atendimento “agrava o contexto de aflição psicológica e de angústia sofrido pelo segurado”. De acordo com o STJ, a cobertura assistencial é um conjunto de direitos a que o consumidor faz jus ao contratar um plano de saúde, sendo que sua extensão é determinada pela legislação de saúde suplementar e tem de estar expressa no contrato firmado com a operadora.

É possível mudar de plano sem cumprir novos períodos de carência?
Sim. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) recentemente editou a Súmula Normativa 21, que prevê situações como esta, estabelecendo que os prazos já cumpridos pelos consumidores devem ser levados em consideração.

Ademais, para trocar de plano de saúde sem cumprir nova carência, devem ser observadas as seguintes condições, segundo informações obtidas junto à ANS:
a) ser consumidor de plano individual ou familiar contratado após 1°/1/1999 ou adaptado à Lei nº 9.656/98;
b) estar em dia com a mensalidade do plano de origem e apresentar cópia do comprovante de pagamento dos três últimos boletos vencidos;
c) estar há, pelo menos, dois anos no plano de origem ou três anos, caso tenha cumprido a cobertura parcial temporária ou nos casos de doenças e lesões pré-existentes. A partir da segunda portabilidade, o prazo de permanência passa a ser de dois anos para todos os consumidores;
d) o plano de destino estar em tipo compatível com o do plano de origem (consultar o Guia ANS de Planos de Saúde);
e) a faixa de preço do plano de destino ser igual ou inferior àquela em que se enquadra o plano de origem, considerada a data da assinatura da proposta de adesão (consultar o Guia ANS de Planos de Saúde);
f) solicitar a portabilidade no período entre o mês de aniversário do contrato e o mês seguinte;
g) não considerar como plano de destino planos que estejam cancelados ou com comercialização suspensa; e
h) a portabilidade de carências não poderá ser oferecida por operadoras em processo de alienação compulsória de sua carteira ou em processo de oferta pública do cadastro de beneficiários ou em liquidação extrajudicial. Para verificar se o seu contrato se enquadra nessas hipóteses, faça uma consulta com fins de portabilidade ao Guia ANS de Planos de Saúde.

Outra possibilidade de trocar de plano de saúde sem cumprir carência e que não depende da portabilidade é válida para o consumidor de plano coletivo empresarial: caso a empresa deixe de oferecer o benefício do plano e a operadora disponha de plano individual, o beneficiário poderá ingressar nele sem cumprir carência, desde que essa opção seja feita em até 30 dias contados a partir da data de extinção do contrato anterior.

Uma pessoa demitida tem direito a manter o plano de saúde nos moldes do que era arcado pela empresa?
Sim, a legislação existente, a saber, a Lei nº 9.656/98 estabelece regras para proteção dos usuários de planos de saúde empresariais em casos de demissão, garantindo a permanência temporária no convênio. Em hipótese de planos de saúde firmados a partir de 1999 em decorrência de vínculo empregatício, os clientes têm direito de manter o contrato caso sejam demitidos ou exonerados, desde que assumam integralmente o pagamento do plano.

A lei determina que o benefício seja mantido pelo período de um terço da permanência no plano, respeitando um prazo mínimo de seis meses e um máximo de dois anos. Esse direito é válido para os dependentes inscritos no contrato, mesmo em caso de morte do titular. Na hipótese de que o empregado seja admitido em um novo emprego, o benefício é extinto.
Esse direito não se aplica aos ex-funcionários quando o plano de saúde é totalmente custeado pela empregadora, mesmo que o consumidor tenha pago alguma quantia para utilização de serviços de assistência médica ou hospitalar.

O senhor concorda que uma das particularidades do seguro de saúde é substituir a função que deveria ser do Estado?
A Lei nº 8.080/90 prevê, a partir do art. 20 e seguintes, a utilização dos planos de saúde, em princípio, em caráter de complementaridade e num campo de atuação bem menor do que o próprio SUS. Contudo, considerando a problemática que envolve o SUS, tais como excesso de filas, negativa nos atendimentos, ausência de profissionais, dentre outros, o cidadão, quando detém poder econômico mínimo, contrata um plano de saúde, achando que, com isso, vai se ver livre dos problemas enfrentados no Sistema Único de Saúde. Entretanto, como a própria lei nº 8.080 prevê, os planos de saúde não existem isoladamente do SUS, não substituindo a função do Estado. O que ocorre hoje, no tocante à prestação dos serviços dos planos de saúde, é sua ausência de fiscalização por parte dos setores competentes, gerando boa parte dos problemas já mencionados. Todavia, o cidadão, sentindo-se alijado em seus direitos, por enfrentar os problemas que o SUS apresenta, recorre aos planos de saúde. É importante frisar, no entanto, que os “problemas dos SUS”, sob ponto de vista de boa parte dos estudiosos sobre o tema, não são de recursos, mas de gestão e ausência de fiscalização dos recursos repassados à administração pública e entes conveniados.

Fonte: Assessoria de Comunicação Integrada da OAB-GO

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