“Infelizmente nem tudo que é legal do ponto de vista jurídico é legal do ponto de vista moral”

19/03/2012 Entrevista, Notícias

Com o objetivo de reduzir o número de recursos encaminhados diariamente ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), os ministros aprovaram no último dia 5, um anteprojeto de lei que visa filtrar esses processos, em uma tentativa de barrar a subida daqueles que apresentarem menor relevância à Corte. A medida é semelhante à empregada desde 2007 pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e precisa ainda ser aprovada pelo Legislativo. Antes, o anteprojeto passará pelo Executivo e sofrerá duas interferências do Congresso Nacional – uma emenda à Constituição Federal e uma lei que estabeleça os critérios de pré-seleção.

Sobre o assunto, o secretário-geral da OAB-GO, Flávio Buonaduce Borges, falou ao Jornal Opção. Confira a entrevista:

Pelo anteprojeto de lei aprovado pelo STJ, recursos considerados insignificantes serão barrados de subirem para a avaliação da Corte. Qual, ou quais, seriam os possíveis critérios de avaliação para um recurso ser considerado de menor relevância?

Na verdade o critério a ser analisado pelo STJ não seria o de menor relevância, e sim o de repercussão geral. Estes tipos de barreiras já são implementadas pelo STF a bastante tempo, como forma explícita de impedir a chegada de novos recursos naquela Corte Superior, e agora tentam fazer o mesmo em relação ao STJ. O critério sugerido pelo STJ seria o mesmo exigido pelo STF, de que somente casos em que se considerar a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa é que seriam analisados por aquele Tribunal Superior. Aliás, é o que já está previsto pelo parágrafo 1° do art. 543-A do CPC [Código de Processo Civil], no que se refere à interposição de recursos extraordinários para o STF. Ou seja, seriam questões de repercussão geral, e que autorizariam ao STJ analisá-los, aqueles recursos que versassem sobre matérias que extrapolassem aos interesses das partes.

Com a aprovação no Legislativo, o STJ terá mais tempo para avaliar os casos de maior relevância para a sociedade. Essa medida realmente daria maior celeridade ao processo?
É certo que, caso seja aprovado este anteprojeto, a carga de processos a serem analisados pelo STJ reduziria sobremaneira. Mas isso não representa maior celeridade processual, uma vez que através desta barreira não se está a diminuir o tempo de um processo, e sim impedindo que o jurisdicionado se utilize de mais uma Corte para tentar rever uma decisão que lhe foi prejudicial. Não é através do cerceamento do direito da parte de ver seu direito rediscutido por uma Corte Superior que chegaremos a uma maior efetividade do processo.

Desde 2007 o STF faz uso desta espécie de filtro. Isso gerou uma redução de 76% na quantidade de processos que eram encaminhados a este Tribunal. Em sua avaliação, essa redução é de fato sinônimo de maior agilidade?
A redução da quantidade de recursos a serem analisados pelo STJ não representa ganho de efetividade. Agilidade é reduzir o tempo do processo com maior eficiência sem penalizar a parte através do fechamento de comportas possíveis e legítimas de revisão de decisões muitas vezes injustas e incorretas. E também é bom ressaltar que este tipo de filtro sempre foi utilizado pelo STF, só alterando o seu grau de rigidez.

Existe a possibilidade de uma parcela de advogados não ficarem satisfeitos com o fim de uma instância de apelação? Poderia citar possíveis benefícios e/ou contratempos que poderão ser gerados com a aprovação definitiva do anteprojeto?
O anteprojeto versa especificamente em relação a critérios de admissibilidade do recurso especial, recurso este direcionado exclusivamente ao STJ. Não tenho nenhuma dúvida de que a sua aprovação irá provocar uma onda de violentas críticas por parte tanto da advocacia brasileira como por parte da comunidade acadêmica. A história tem demonstrado que todo o tipo de amarra imposta pelos tribunais superiores com o objetivo de frear a quantidade de recursos a serem analisados por estas cortes vem transvestidas de ações corporativistas que possuem o único propósito de diminuir a carga de trabalho destes tribunais. Se a ideia "em tese" é a valorização dos recursos constitucionais, que se reforme a Lei para limitar mais ainda a sua utilização. Mas isso não pode ocorrer através da criação de armadilhas legislativas que deixam ao arbítrio do tribunal declarar qual recurso é mais importante que o outro.

Em 2011, cogitou-se a hipótese de que o número de ministros do STJ fosse duplicado, passando de 33 para 66, devido a demanda elevada de processos que leva o tribunal a rotineiramente fechar o ano em débito. Como o senhor avalia essa sugestão do ministro Marco Aurélio Mello, principalmente no que tange o custo financeiro dessas contratações?
O aumento de juízes sempre me soou como uma ótima forma de adequação do Estado à demanda reprimida que atualmente a Justiça brasileira possui. Não é nenhum “desmérito” a um Tribunal Superior aumentar o número de julgadores com o propósito de ajustar a quantidade de julgamentos. Esse tipo de iniciativa, com certeza traria um ganho efetivo de agilidade nos julgamentos dos processos, diferentemente deste tipo de proposta do STJ que ora comentamos.

Mesmo com a demanda crescente de processos, quatro ministros (o presidente, o vice-presidente, o corregedor do Conselho Nacional de Justiça e o corregedor do Conselho da Justiça Federal) analisam menos recursos que os demais. Qual sua avaliação sobre este aspecto, visto a realidade da Justiça no Brasil?
Isto é uma questão administrativa que infelizmente exige que alguns ministros se afastem da função judicante para se dedicarem a outras áreas da Justiça que também são imprescindíveis à sociedade.

A decisão aprovada ontem passará pelo Executivo antes de ser encaminhado ao Congresso Nacional, que deverá intervir duas vezes (uma emenda à Constituição Federal e uma lei que estabeleça os critérios de pré-seleção). O senhor acredita que a decisão final seja tomada ainda em 2012?
Acredito que isso vai depender muito da forma pela qual ocorra a tramitação do projeto do novo Código de Processo Civil que encontra-se na Câmara dos Deputados para discussão e aprovação. O STJ tem muito interesse na aprovação deste anteprojeto, e poderá, e acredito que irá, “gestionar” para que ele tenha uma tramitação independente. Mas no final acho que tudo se agrupará na análise do projeto do novo CPC. E parece que há uma grande chance para que isso ocorra ainda neste ano de 2012.

O anteprojeto é legal, do ponto de vista jurídico?
Sim, pois passará por todas as fases de discussão e aprovação dentro da Casa legislativa brasileira. Mas, infelizmente, nem tudo que é legal do ponto de vista jurídico é legal do ponto de vista moral.

Fonte: Jornal Opção

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