“Estamos aqui para assegurar o império das leis”, diz Lúcio Flávio

29/06/2017 Entrevista, Notícias

Em entrevista para a Revista da Procuradoria, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil-Seção de Goiás (OAB-GO), Lúcio Flávio de Paiva, avalia o atual momento político brasileiro e o papel que a Ordem desempenha na busca da estabilidade e na garantia do cumprimento das leis. Na publicação, que pode ser acessada no link,  ele discorre sobre os desafios e dificuldades de se administrar a entidade, aborda temas relativos ao novo CPC e, de modo geral, da aplicação da lei no País. Na publicação, assinada pelo procurador Gabriel Ricardo Jardim Caixeta, Lúcio Flávio ainda diz que a OAB tem trabalhado para facilitar o exercício da advocacia frente ao processo eletrônico, em implantação pelo Tribunal de Justiça. Leia a entrevista na íntegra logo abaixo: 

Qual sua visão sobre o papel da OAB na garantia do Estado de Direito?

Trata-se de uma finalidade expressa em lei: artigo 44 da Lei 8.906/94, que consigna ser finalidade da OAB a defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito. Mesmo antes da existência dessa disposição legal, a OAB já desempenhava essa missão. Desde a sua criação, em 18 de novembro de 1930, a OAB tem sido a principal instituição a defender o Estado de Direito. Basta lembrar que nos regimes de exceção experimentados na República (ditadura Vargas e ditadura militar), foi a OAB e a advocacia que saíram em defesa da democracia e dos direitos individuais. Foram os advogados que enfrentaram os tribunais de segurança nacional, as prisões arbitrárias de adversários do regime, escrevendo uma das mais belas páginas de resistência democrática da história política e jurídica brasileira.

Vivemos tempos conturbados na história do país, mas que infelizmente não são inéditos. Crises políticas costumam frequentar os períodos democráticos do Brasil. Nesse passo, como o senhor avalia a atuação da OAB para a manutenção do regime democrático brasileiro?

A OAB deve alçar voos mais audaciosos visando contribuir para o equilíbrio político brasileiro ou devia se concentrar mais em promover a atividade advocatícia? É verdade que o país vive momentos mais que conturbados. Porém, ao contrário de vezes anteriores, em que a continuidade democrática foi rompida, as instituições estão funcionando e certamente as soluções para essa crise sairão, todas, da Constituição. É isso que a OAB tem buscado: assegurar o império da lei. Não se trata, assim, de ser a Ordem mais ou menos audaciosa, mas sim de exercer o seu papel fundamental de defensora da cidadania e do Estado Democrático de Direito, sem nunca perder de vista, porém, que a função precípua da OAB é defender a advocacia e garantir o livre exercício profissional em todo o país.

O senhor assumiu a presidência da OAB em meio a uma crise financeira na instituição. Poderia descrever qual foi o cenário que o senhor encontrou e a situação da Ordem até o presente momento? A dívida da entidade está sanada?

A dívida não está sanada, mas certamente evoluímos muito desde o início de nosso mandato. Assumimos a Ordem com dívidas que chegavam a 23 milhões de reais. Eram dívidas com fornecedores, bancos, com a Previdência, com a Caixa de Assistência e com o Conselho Federal. Para se ter ideia do caos financeiro, encontrei 61 títulos protestados quando assumi. Dessa dívida, pagamos R$ 7,5 milhões apenas em 2016; renegociamos com a Caixa de Assistência e com o Conselho Federal; quitamos algumas dívidas bancárias e outras refinanciamos. Enfim, a Ordem hoje tem suas finanças sob controle, mas ainda há um passivo grande a ser pago, que apesar de não ter sido por nós construído, tem que ser pago.

O senhor poderia nos falar um pouco sobre sua experiência à frente da OAB/GO? Quais foram as maiores surpresas, decepções e alegrias que o senhor teve até o presente momento?

Foi – e está sendo – um grande desafio presidir a OAB. Primeiro, pela já mencionada péssima situação das finanças da instituição, além de um modelo de gestão antiquado, que situava a Ordem goiana ainda no século passado, quer em termos administrativos, quer em termos tecnológicos. Tivemos que fazer um grande esforço para implantar o nosso novo modelo de gestão, com a atualização do parque tecnológico da OAB, implantação do processo digital, um novo portal da transparência etc. Além disso, a situação política do país, com o impeachment de um Presidente da República, e agora reformas polêmicas, como a trabalhista e a previdenciária, têm exigido do Presidente de Ordem uma postura de parcimônia, em que acima das posições ideológicas e partidárias, prevaleça a Constituição. Quanto as alegrias e decepções, enumero duas: a resolução do problema do pagamento da advocacia dativa, que já se arrastava há 10 anos e que em nossa gestão foi definitivamente resolvida, por certo, a maior alegria; a vaidade e a busca por poder no seio da instituição, a grande decepção.

A reclamação sobre o tratamento que o advogado recebe nas repartições públicas é bastante comum.  Muitos colegas acre ditam que a profissão está subvalorizada. Como o senhor enxerga essa questão? Quais soluções a OAB/GO apresenta para esse problema?

São vários os fatores que contribuem para essa situação de certo desânimo. Primeiro, uma questão conjuntural: a grande quantidade de cursos de Direito fez com que o número de advogados no mercado seja elevado, talvez além do que o mercado possa absorver, o que acaba acarretando essa sensação de desvalorização. Segundo, uma questão específica e reiterada: a violação das prerrogativas profissionais, por parte de servidores públicos em geral, notadamente as autoridades. Para resolver o primeiro problema, pouco a Ordem pode fazer, pois não tem poder para proibir a abertura de novos cursos. Quanto ao segundo, podemos e devemos atuar fortemente contra a violação das prerrogativas. Em Goiás, estamos implementando um modelo diferenciado de defesa das prerrogativas. Abrimos concurso público de provas e títulos para provimento de 3 vagas imediatas – e 12 em cadastro de reserva – de Procurador de Prerrogativas, que serão remunerados pela Ordem e ficarão exclusivamente dedicados a defender prerrogativas dos advogados e buscar a efetiva punição àqueles que as violarem. Creio que com esse modelo daremos um salto qualitativo na defesa das prerrogativas, com consequências imediatas no resgate da valorização da profissão.

Ainda sobre o tema do exercício da advocacia, como o senhor enxerga a relação entre juízes, promotores e advogados no âmbito do processo, mormente em tempos de operação “Lava Jato”? Há efetiva “paridade de armas”?

É natural que a relação entre advogados, de um lado, e promotores e juízes, de outro, seja permeada por tensões. E isso por razão óbvia: é o advogado quem atua para limitar o exercício do poder estatal, evitando que seu legítimo exercício se convole em abuso. Logo, é inerente ao exercício da profissão trazer às autoridades certo desconforto. Não foi à toa que Napoleão Bonaparte – pelo menos a ele se atribui essa frase – disse que, se dependesse dele, cortaria a língua de todos os advogados antes que eles as utilizassem contra o governo. Daí que, de parte a parte, a observância de respeito e urbanidade é essencial para a boa convivência e para a garantia da “paridade de armas” que você menciona. Aliás, importante ressaltar que a paridade de armas não deve ser, exatamente, entre advogados, juízes e promotores, mas, sim, entre o Estado e seu aparelho de persecução, de um lado, e o cidadão, do outro. E em tempos de “Lava Jato”, em que certos abusos têm acontecido, ressaltar que entre juízes, promotores e advogados não há hierarquia ou subordinação, e que cada um deve se tratar com respeito e urbanidade, é essencial para manter o equilíbrio processual e o devido processo legal.

Como exímio processualista que é, quais suas considerações sobre o novo CPC? A nova lei permite agilidade do processo? Na sua visão, o processo tem se torna- do mais relevante que o direito material? Em âmbito mais geral, como o senhor vê a aplicação do direito no país?

Desde a época em que o novo CPC estava na fase de projeto, já advertia que a solução para os problemas de morosidade processual não seriam resolvidos com um novo código. Hoje, com um ano de vigência do novo CPC, vejo que estava com a razão: não só não houve incremento na celeridade processual, como em muitos casos, como o julgamento dos agravos de instrumento, houve piora na questão do prazo de julgamento. Quanto à aplicação geral do direito no país, vejo com preocupação o excesso de ativismo por parte do Judiciário, que a meu ver deve retomar uma postura de autocontenção, de modo a não invadir as esferas do Legislativo e do Executivo, nem se tornar uma instância política do país.

A implantação do processo eletrônico já é uma realidade consolidada. O que a OAB tem feito para familiarizar o advogado com essa nova ferramenta e orientá-lo para a sua utilização?

A OAB tem feito muito para preparar a advocacia para essa nova fase. Primeiro nos preocupamos em modernizar os computadores das salas da OAB em todas as comarcas que receberão o processo digital no interior. Até o final de junho, teremos instalado mais de 200 novos computadores em dezenas de salas pelo interior. Na capital, temos a nova sala do Parque Lozandes, com três dezenas de novos computadores, internet com link dedicado [internet exclusiva] e centrais de digitalização. Ainda entregamos, agora em maio, o Meu Escritório, com mais de 50 estações de trabalho com modernos computadores e centrais de digitalização. Além disso, a ESA já levou a todas as comarcas que receberão o processo digital cursos de Projudi e PJE, com treinamento de advogados e multiplicadores, tudo para que a advocacia de Goiás se insira nesse novo momento em que ingressamos.

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